VIDA DE JOÃO NETO

AUTOBIOGRAFIA DE JOÃO GONÇALVES PEREIRA NETO


INTRODUÇÃO

Após a publicação de seu livro BARROCAS , uma filha da estrada de ferro de sua autobiografia intitulada, RETROSPECTIVA DE UMA VIDA, João Neto achou que ainda ficou muita coisa que não foi contada nos livros anteriores. Por isso, pensou em escrever A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTOU. Mas a primeira edição dos livros anteriores já tinha esgotado e muita gente ainda procurava. Resultado: João Neto e seu amigo e colaborador em ambas as publicações anteriores pensaram em publicar um só volume no qual se contasse a história da origem de Barrocas, os assuntos que ficaram faltando no primeiro livro e a sua autobiografia.

Assim, saiu este novo livro BARROCAS: ORIGENS, PESSOAS E FATOS.

Nestas páginas, o autor, na simplicidade de suas palavras, sem nenhuma pretensão de produzir uma obra literária, resgata um pouco da história de Barrocas, faz um relato das antigas fazendas e seus primitivos donos, lembra pessoas que influenciaram no desenvolvimento do povoado até se tornar uma cidade ou que, de algum modo, estão ligadas às origens; finalmente, narra a sua biografia.

Ele demonstra que Barrocas nasceu com a passagem da estrada de ferro pela região e ao trem ela deve não só a sua origem como também o seu desenvolvimento; narra como surgiu o seu povoamento, as primeiras famílias; como surgiu o comércio, cita nomes dos primeiros comerciantes; relata a história da educação e da vida religiosa na cidade; faz uma retrospectiva de sua vida política desde a sua condição de distrito de Serrinha até a sua emancipação, a sua volta a distrito de serrinha e reemancipação; faz um resumo da atuação dos prefeitos e vereadores desde João Olegário a José Almir. Traça um perfil dos políticos de Barrocas e apresenta alguns dados biográficos dos vereadores mais antigos

Para realizar o seu trabalho, João Neto recorreu às lembranças de sua meninice e juventude; consultou antigos moradores; pediu informações; ouviu depoimentos; pesquisou em cartórios, em livros de batizados, casamentos e óbitos de paróquias e da diocese, resgatando escrituras e certidões para documentar seu trabalho.

O autor contou ainda com a colaboração de Tiago de Assis Batista, outro barroquense sobrinho do terceiro comerciante de Barrocas, Pedro Esmeraldo Pimentel. O Tiago, apesar de ter saído criança de Barrocas, guarda muitas recordações de sua terra natal.

Este livro pode não ter valor literário ou um valor histórico no sentido estrito da palavra, mas poderá servir fonte de conhecimento da origem de Barrocas para as novas gerações e de inspiração para alguém que queira produzir uma obra mais completa sobre sua história.

REVIVENDO O PASSADO

Inicia-se aqui a história de um tabaréu nascido no sertão nordestino, numa roça do sítio Maroto situado no município da cidade baiana de Serrinha, distante 228 quilômetros da Capital pela estrada de ferro Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (VFFLB).

O Maroto fica situado à margem do Rio Cajueiro e afastado oito quilômetros da sede do município; limita-se ao Norte pela Fazenda Cajueiro, ao Sul pela cidade de Serrinha, ao Leste pela Fazenda Barro, ao Oeste pela Fazenda Brejo e ao Sudeste pela Fazenda Serra Grande. O sítio pertencia ao casal Joaquim Gonçalves Pereira (conhecido como Joaquim do Maroto) e dona Maria Eustáquia de Jesus. Joaquim era

filho legítimo de João Gonçalves Pereira e de Maria Francisca de Jesus. Maria Eustáquia era filha legítima de José Melquíades Martins (apelidado de José Miquinado) e de Maria Francisca de Paula.

Joaquim do Maroto e Maria Eustáquia eram da mesma região. Começaram um namoro entre eles. Como o pai de Eustáquia não levasse gosto nesse namoro, pelo fato de Joaquim ser pobre, o namoro foi terminado e cada um seguiu seu destino. Em 31 de julho de 1897, Joaquim casa-se com uma moça da Fazenda Baixa Fria de nome Maria dos Prazeres de Oliveira e Maria Eustáquia casa-se com Joaquim João da Mota em primeiro de outubro de 1901.

De Joaquim e Maria dos Prazeres nasceram três filhos: Sizenando (Zenane), Agábio (Nenzinho) e Basílio (Basilão), ficando viúvo depois. Maria Eustáquia com Joaquim João da Mota teve três filhos também. O primeiro faleceu logo ao nascer; depois vieram Cassimiro e Pedro. Maria Eustáquia, já grávida do terceiro filho, ficou viúva também.

O SEGUNDO CASAMENTO DE MARIA EUSTÁQUIA

Dona Maria Eustáquia, com o falecimento do marido, foi à luta assumindo todos os deveres de uma mãe viúva. Até que em certo dia, apareceu Joaquim Gonçalves, aquele que tinha sido seu namorado e o romance interrompido por causa do pai dela. Joaquim e Maria Eustáquia, ambos viúvos, estavam livres.

Encontrando-se, o antigo amor foi despertado e terminaram aproximando-se e falaram na possibilidade de um casamento entre eles. A idéia não poderia ser melhor. Acertaram o casamento. Como a viúva tinha ficado grávida do falecido, acertaram que o futuro matrimônio só aconteceria depois do nascimento da criança. Nascido o bebê em 29 de abril de 1908, o casamento só foi realizado em 18 de dezembro do mesmo ano.

Com o segundo casamento, os dois iniciam uma nova vida e foram surgindo os filhos do novo casal. Na antepenúltima gravidez, nasceu o menino que recebeu o nome de João Gonçalves Pereira Neto em homenagem a seu avô. Como seria natural, o garoto começou a ser chamado carinhosamente de Joãozinho.

A data de seu nascimento é, de fato, o dia três de fevereiro de 1921, conforme consta na certidão de batismo; mas foi registrado no Cartório do Registro Civil como nascido a 12 de fevereiro do mesmo ano.

Depois do nascimento de João, D. Maria só teve dois filhos: Joaquim Gonçalves Pereira Filho (agosto de 1924), apelidado de “Quinquim”, e José Cosme (Zezito).

Por ocasião do nascimento de Quinquim, vi pela primeira e última vez o meu avô materno José Melquíades Martins, conhecido como José Miquinado - avô de Joãozinho. Ele viera a pé do sítio chamado Horta até o Sítio Maroto, para visitar a filha que havia ganhado nenê. Era um velhinho de olhos azuis, estatura mediana, corpo esguio. Esta é a recordação do meu avô que guardo até hoje na memória. Pouco tempo depois da visita à filha, o velhinho veio a falecer com 105 anos de idade.

O sítio onde José Miquinado morava ficava ao pé da Serra da Beata. Lá havia cana, verdura, frutas e mel.

MINHA AVÓ MATERNA

Quando minha avó materna, Maria Francisca de Paula, ficou viúva, foi morar na casa do filho caçula, Antônio do Bom Jardim. Minha mãe sabendo que minha avó estava sendo maltratada pela nora, foi buscá-la para morar com ela, trazendo-a para Itapororoca na garupa do cavalo.

Às vezes, eu saía pelo terreiro da casa caminhando com ela, segurando-lhe a mão e indicando os obstáculos como pedras e buracos.

Já bem velhinha não se sabia a idade exata. Mas, analisando a data da morte de meu avô (morto aos 105 anos), a data da morte de minha avó e a minha idade na época (10 anos), posso determinar que ela faleceu com 100 anos de idade.

DO MAROTO À ITAPOROROCA

Conforme narração de meu pai, certo dia ele chegando a Serrinha, encontrou-se com o velho Manoel Paes e este lhe perguntou como ele poderia criar família grande em uma terra tão ruim como aquela do Sítio do Maroto. Meu pai respondeu:

“O que vou fazer se é a terra que eu tenho”? Daí o senhor Manoel Paes perguntou lhe: “Quer comprar uma fazenda”? Diante dessa pergunta, meu pai respondeu que não tinha dinheiro e não poderia fazer uma dívida que não poderia parar.

Os dois entraram em acordo e meu pai comprou a Fazenda Itapororoca, cujo verdadeiro dono era Júlio Paes, irmão do Manoel Paes. Por ele ser doente mental, quem geria os seus negócios era o Manoel.

Tudo acertado, meu pai assumiu a fazenda, encontrando uma casa em ruína e cercas estragadas. Foi feito o que era necessário para acolher a família. Em março de 1925, houve a mudança para nova morada, tendo sido utilizado o carro de boi do meu pai para o transporte.

A INFÂNCIA DO JOÃOZINHO

Quando eu estava com seis anos (1927), já morando na Itapororoca, nasceu o meu irmão caçula, o José Cosme (apelidado de Zezito).

Minha infância continuou com a simplicidade natural de todas as crianças da roça na época. Meus primeiros brinquedos eram miniaturas de carro de boi, fabricada por mim mesmo. Eu amarrava uma fibra de caroá na ponta do cabeçalho e saía puxando. Quando me reunia com os amigos, pegava uma meia velha, enchia de farrapos e fazia uma bola para jogar os babas, mesmo a contragosto do meu pai que dizia: “Jogo de futebol é coisa do cão”!

Meu contato com as primeiras letras do alfabeto foi através de minha mãe, porque na região não existia escola. Ela, apesar da pouca instrução, ensinou-me o ABC e a soletrar. Seus pais não deixaram que ela aprendesse a ler e escrever para não fazer cartas para os namorados. Para treinar as letras, minha mãe escrevia-as em papel com

o lápis de grafite e eu cobria com uma pena de escrever que se molhava em um tinteiro.

Algum tempo depois de ter iniciado meu aprendizado com minha mãe em casa, surgiu uma escola particular na Fazenda Desengano, onde eu fui matriculado e continuei a estudar.

Depois de certo tempo, saí da escola particular e fui matriculado numa escola pública em Barrocas, tendo como regente a professora Alice de Santa Tereza do Espírito Santo; passei mais ou menos dois anos e, quando o professor Antônio Mestre abriu sua escola na fazenda Sítio, mais próximo à fazenda Itapororoca, voltou e completou meu curso primário.

Além da dedicação aos estudos, eu tinha como obrigação ajudar nos afazeres da fazenda como dar água aos animais e, à tardezinha, reunir as ovelhas que estavam pastando no mato. Antes de chegar à casa havia uma baixada com muitos pés de icó. Essa planta dava flores amarelas e doces; as ovelhas gostavam de comê-las e, enquanto iam comendo, dispersavam-se em busca de mais flores pelo chão. Eu ficava nervoso e começava a chorar. Depois de muito trabalho, conseguia juntar todas e colocar no caminho do curral da fazenda onde passavam a noite.

Aos domingos, sempre pela manhã, eu pegava um machadinho e saía pelo mato à procura de abelhas para tirar o mel; sempre encontrava abelha munduri que costumava fazer sua colméia nos ocos de pau-de-rato ou umbuzeiros mais baixos. Quando achava a abelha mandaçaia - que era mais rara - eu marcava a árvore, voltando depois para retirar a colméia; levava para casa e fazia um cortiço.

AS PERALTICES DA INFÂNCIA E AS SURRAS

Também tive meus momentos de peraltice e malvadeza feitas contra meu irmão Joaquim (Quinquim) - mais novo do que eu três anos e seis meses. Saíamos para o mato e quando estávamos distantes da casa da fazenda, eu o mandava subir numa árvore para ver se estávamos perto da fazenda; quando ele subia, eu corria e me escondia; ele descia chorando e saia à minha procura; quando passava perto de mim, escondido nas moitas, eu o assustava.

Meu pai resolveu retelhar a casa, tirando as telhas defeituosas para cobrir o chiqueiro das cabras. Peguei as telhas, coloquei no caminho que descia para roça e sai caminhando por cima. As que não consegui quebrar pisando, terminei de quebrar com uma pedra. Quando meu pai viu o estrago, deduziu que se tratava de arte do Joãozinho. Pegou-me e deu-me uma senhora surra.

Em outra ocasião, meu pai havia plantado milho em um pedaço de terra, mas como o inverno tinha sido escasso, ele proibiu colher espigas maduras a fim de deixar para semente. Junto à roça de milho, ele tinha derrubado o mato para fazer outra roça. Antes de tocar fogo no roçado, mandou retirar de dentro a madeira no carro de boi. Eu fui mandado para ajudar no transporte. Como o dia estava quente, eu aproveitei e fui andando pela sombra das árvores que havia ao longo de um riacho seco; nisso, veio-me a ideia de colher uma espiga de milho e assar num fogo que havia perto. Com isso, demorei a chegar ao local do trabalho. Com a demora, meu pai veio ao meu encontro e me achou assando o milho. Já vinha com o cinturão de sola dobrado na mão. Agarrou-me e deu-me uma surra tão grande que nos lugares onde a fivela pegou, ficou uma ferida.

As surras não pararam por aí. Nós íamos à escola em Barrocas distante nove quilômetros da Fazenda Itapororoca. Certo dia, ao sair da escola, ao invés de tomar logo o caminho de volta para casa, subi no teto de um vagão da estrada de ferro que estava parado no desvio perto da estação; fiquei passeando para lá e para cá em cima dele, observando o panorama. Justamente nessa hora, meu pai veio chegando a cavalo por trás da estação e eu não o vi. Desci do vagão e fui para casa. Assim que cheguei à casa, ele já estava com uma daquelas tacas de bater nos animais na mão atrás das costas; foi pegando-me e deu-me uma surra tão grande que eu me urinei todo. Vendo que já tinha passado da medida, minha mãe veio em meu socorro, dizendo: “Basta, Joaquim; já chega”!

De outra vez, meu pai mandou-me capinar um feijão-de-corda. Ao começar o trabalho, vi umas ovelhas em um pasto plantado de palmas e comendo os brotos novos; deixei a enxada, fui botar as ovelhas para fora do pasto e tapei o buraco da cerca por onde tinham passado. Depois, ao invés de voltar ao trabalho, fui catar umbu. À tarde ele veio ver o trabalho que eu tinha feito; viu e não disse nada. No dia seguinte, pela manhã, eu estava na roça, ele chegou e foi me perguntando: “O que você fez ontem”? Contei-lhe o episódio das ovelhas. Sem querer ouvir a história, ele se aproximou para me pegar; corri pela capineira cheia de orvalho. Chegando a casa, apeguei-me com minha mãe; ela intercedeu por mim, pedindo que meu pai não me batesse naquele momento. Ele atendeu, mas me ameaçou: “Você me paga, seu moleque”! Ele se esqueceu e a surra não foi dada.

A SECA DE 1932

No ano de 1932, houve uma grande seca em todo o sertão baiano. Foi a maior seca já vista em nossa região, gerando sofrimento de toda espécie; carência total de água, alimento e trabalho. Todos os tanques que abasteciam a população e forneciam água para os animais secaram. Nós já morávamos na fazenda Itaporoca e eu tinha 11 anos de idade. A água para beber íamos buscar no açude da Estrema que ficava a oito quilômetros de casa; era trazida transportada no lombo de jumentos. Para dar de beber aos animais, foi cavado um poço de seis metros de profundidade dentro do tanque do Esgoto (apesar do nome não tem nada a ver com dejetos). A água era tirada do poço e servida aos animais em cochos de madeira de barriguda; por ser muito salobra, os animais só bebiam quando não suportavam mais a sede. Para a alimentação do gado bovino, caprino e ovino davam-se mandacaru de facho e outros. As galhas eram derrubadas sobre folhas de alecrim e tocava-se fogo para queimar os espinhos. Depois, a planta sapecada e sem espinhos era oferecida ao gado; aos cavalos davam-se raízes de mandioca que tinha ficado fofas por causa da seca; eram arrancadas, deixadas de um dia para outro descansando a fim de perder a toxidez e não envenenar os animais.

Nessa época, a fim de que a população não morresse de fome, o Governo Federal abriu frentes de trabalho. Uma dessas frentes foi a construção do trecho a BR 116,

conhecida como Transnordestina, entre Serrinha e Tucano. Os trabalhos foram assumidos pelo então governador da Bahia, Juracy Montenegro Magalhães. Toda a obra foi feita a braço de homem usando picaretas, pás, carrinho de mão, banguês e outras ferramentas adequadas. Meus irmãos mais velhos, Nenzinho e José, trabalharam nessa estrada. José ficou trabalhando na localidade chamada Cabeça da Vaca e Nenzinho em Pedras (hoje, Teofilândia).

Lembro-me que meu pai mandou-me ir a pé da Fazenda Itapororoca até a Cabeça da Vaca, onde trabalhava meu irmão José, apelidado como José Perigo. Fiz o seguinte trajeto: Saindo da Itapororoca, passando pelas fazendas Lajedo, Viração, Cajueiro até encontrar a construção da estrada.

Eu só conhecia a estrada até o Cajueiro; de lá para diante, eu não conhecia nada. Mas meu pai tinha-me dito que ao chegar ao Cajueiro, procurasse a tenda de ferreiro do senhor Avelino; dali, tomasse o caminho em direção do nascente e seguisse em frente, tendo como referência o Morro dos Dois Irmãos (que ficava à vista) até encontrar o trecho da estrada em construção. Assim eu fiz até chegar ao destino. Era uma sexta-feira.

Eu tinha saído da Itapororoca ao meio dia e já eram cinco horas da tarde quando cheguei ao local para onde me dirigia.

A finalidade da viagem era levar-lhe uma mensagem de meu pai, pedindo que ele entrasse em contato com o irmão Nenzinho, que trabalhava em outra turma em Pedras, para ver se ele conseguiria um pasto para por os cavalos, visto que por lá havia chovido recentemente e algum capim já começava a nascer.

O dia seguinte, sendo sábado, os homens só trabalhavam até as nove horas. Arriado o trabalho, iam a Serrinha, a pé e a toda pressa, para chegarem a tempo de receber o vale para as compras nos estabelecimentos comerciais de Nenezinho Carneiro e de Macário, que eram os fornecedores. Com o vale podiam-se comprar farinha, carne do sol ou do sertão e um pouco de feijão. Eu acompanhei o pessoal até Serrinha.

De posse dos vales, meus irmãos fizeram as compras, tiraram o necessário para o sustento deles e entregaram-me 10 litros de farinha num saco e um pedaço de carne do sertão para levar para casa. Como já estava tarde, dormi em casa de nosso tio Josias. No outro dia pela manhã cedinho, joguei o saco com o mantimento às costas e pus-me a caminho pegando a estrada que passava pelo Brejo, Serra do Brandão, Licuri, Malhada da Aroeira, Fonte da Bezerra com destino à Itapororoca.

Da Itapororoca para Serrinha havia duas opções de caminhos: pelo Lajedo ou pela Serra do Brandão. Ambos eram-me muito familiares, pois fazia esse trajeto muitas vezes a cavalo. Acontecia eu sair de Serrinha quando as luzes da cidade já estavam acesas (A iluminação da cidade era fornecida por uma máquina movida a vapor alimentada a lenha).

Muitas dessas viagens fiz a passos lentos de cavalos fracos. Eu chegava a cochilar sobre a sela e perder o chapéu. Certa vez saí muito tarde de Serrinha. Demorando a chegar, minha mãe, preocupada, saiu ao meu encontro. Enquanto eu dormia na sela do cavalo, ouvi alguém me chamando; acordei assustado e percebi que era minha mãe no meio da escuridão da noite. Estávamos a uma légua (seis quilômetros) de casa.

DE ADOLESCENTE AO INÍCIO DA VIDA ADULTA

Trabalhei muito tempo como chamador de boi de carro até o dia em que meu pai dispensou o carreiro Zé Louro e entregou-me o carro. Tornei-me carreiro aos 15 anos de idade. Trabalhei pouco tempo nesse ofício.

Certo dia, meu pai chamou-me e disse: “Joãozinho, eu não quero que você acabe seus dias aqui na roça; vá embora para Barrocas; fique na casa de sua irmã; arranje um trabalho e vá viver sua vida”. Atendi o conselho dele. Para ganhar dinheiro, fui trabalhar de ajudante de pedreiro com meu cunhado Bernardino Aristides Figueiredo, casado com minha irmã Maria Modesta de Jesus. Querendo ver-me progredir, ele me ensinou a arte pedreiro. Em pouco tempo eu já estava trabalhando como meia-colher, quase pedreiro.

Como eu não estava satisfeito com aquele trabalho pesado, inventei de trabalhar como carpinteiro, armando casa de esteio. Como naquele tempo não havia madeira serrada para vender, eu ia ao mato, derrubava a árvore, lavrava de machado, depois aparelhava com a enxó, preparando as peças.

Em seguida, aluguei uma casa e montei uma tenda de marceneiro, começando a fazer mesas, cadeiras, bancos e outras peças. Enquanto isso, eu praticava telégrafo na estação da estrada de ferro à noite, sem autorização do inspetor, mas com o consentimento do agente. Ficava de plantão até a passagem do último trem. Quando o aparelho chamava, eu ia acordar o agente para dar a licença de partida do trem. Não havendo mais movimento, eu ia para casa.

Passando a morar sozinho, e ocupado com o trabalho durante o dia, eu tinha que preparar minha alimentação à noite. Geralmente era uma panelada de feijão com ossada de porco dentro ou carne do sertão assada na frigideira. Para assar a carne à hora da refeição, eu jogava álcool sobre ela e tocava fogo, comendo em seguida com farinha molhada com água fria. Às vezes, eu comia pela manhã e deixava o prato sem lavar; voltando ao meio dia, não tendo água para lavá-lo, eu passava a mão dentro do prato, tirava os restos, punha a comida e me servia.

Minha residência era a própria tenda de marceneiro. Morando sozinho, acertei com um cidadão de Barrocas, que era barbeiro, para instalar a sua tenda na mesma sala da casa onde eu morava e trabalhava.

COBRADOR DE IMPOSTO NA FEIRA DE BARROCAS

Pedrinho Pimentel, então responsável pela cobrança do imposto dos vendedores na feira livre aos sábados, encarregou-me de fazer a cobrança, dando-me uma percentagem. Certo dia, terminada a arrecadação, guardei os talões e o dinheiro em casa, dentro de uma malinha no quarto onde eu dormia e voltei à estação. Não havendo mais movimento de trem, fui para casa que já estava fechada; ao abrir a porta, lembrei-me do dinheiro e fui até o quarto; entrando, encontrei a mala aberta, sem o dinheiro dentro. O ladrão tinha-o levado e ainda defecado no quarto. Perguntei ao barbeiro se teria visto quem entrou no quarto; ele respondeu negativamente e disse não ter nada a ver com o ocorrido.

De volta, procurei Pedrinho Pimentel e contei o que acontecera com o dinheiro. Ele, simplesmente, respondeu: “Preciso do dinheiro para prestar conta à Prefeitura”. Não tendo a quantia para repor, fui à Fazenda Itapororoca, procurei meu pai, contei-lhe a história do furto e a resposta que Pedrinho tinha-me dado. Sabendo do valor, ele me entregou a quantia correspondente com uma recomendação: “Faça as contas com Pimentel; entregue-lhe os talões e não queira mais nada com ele”. Assim o fiz.

COMO AUXILIAR DO AGENTE DA ESTAÇÃO DE ÁGUA FRIA

Por falta de emprego, eu nunca fiquei sem ganhar dinheiro, porque nunca enjeitei serviço. Fui puxador de fole na tenda de ferreiro de Fabriciano, ajudante de pedreiro, carpinteiro; trabalhei uns dias na instalação da linha do seletivo (telefone) da rede ferroviária de Aramari a Oriçanguinha. Em 1942, fui trabalhar como praticante de telégrafo auxiliando o agente da estação de Água Fria.

Naquela época, a Leste Brasileiro não colocava telegrafista para ajudar o agente nas estações de pouco movimento como Água Fria. O agente tinha um filho bem prático que o ajudava em todas as atividades do seu cargo. Aconteceu que o rapaz começou a namorar uma mulher de vida livre. O pai não aprovou aquela relação; procurava, por todos os meios, tirar o rapaz daquela mulher, mas não conseguia. Por isso, resolveu mandá-lo passar um tempo em casa de um irmão que era agente na estação de Itareru. No dia marcado para a viagem, o rapaz não apareceu. Depois, chegou a noticia de que o garoto tinha-se suicidado, tomando um veneno conhecido como Formicida Tatu, juntamente com a mulher, pois estavam loucamente apaixonados.

Com a morte do filho, o agente ficou sem ter quem o auxiliasse no trabalho da estação. Pediu, então, a seu filho agente de estação que arranjasse um praticante experiente para ajudá-lo. O praticante faria as refeições em sua casa e, como gratificação, teria uma ajuda dos Correios e Telégrafos para receber e entregar as malas de correspondência no trem. Diante da proposta, fui a Água Fria e apresentei-me ao agente da estação, tendo sido aceito como auxiliar. As promessas não foram cumpridas. Mas mesmo assim, continuei trabalhando.

Para não ficar sem dinheiro, comprava banana verde na feira e mandava pelo trem para João Olegário vender em Barrocas em sua casa comercial. Na época, o pessoal do tabuleiro tirava o leite das mangabeiras e fabricava peças de borracha e levava para vender em dia de feira em Água Fria. Eu comecei a comprar essa borracha para revender nos armazéns. Tudo isso era meio de ganhar dinheiro.

NAMORO

Eu me dava muito bem com toda a família do agente da estação. Uma filha era casada com um engenheiro do Estado; moravam numa casa que ficava parede de meia com uma pensão. Nessa pensão trabalhava uma moça como empregada. Como eu frequentava sempre a casa do engenheiro, comecei um namorico com ela. Porém, o agente da estação, apesar de casado, já a namorava. Um dia, recebi um bilhete perfumado dela convidando-me para conversarmos à tardinha no fundo do quintal da pensão.

Escurecendo, fui ao local combinado. Era uma rua estreita com uma fileira de casas de um lado e uma cerca de pasto do outro. Encontramo-nos e ficamos conversando. Surgiu, então, um vulto humano, usando um capote e calçando tamancos de madeira. Esse era o traje típico do agente. A moça, percebendo o vulto, pediu licença para se retirar, pois não queria ser vista por ninguém. Acatei o pedido e saí pelo lado oposto de onde vinha o vulto. Entrei na rua principal e voltei à estação; fechei-a e fui para o aposento onde eu dormia, que ficava encostado à parede da sala do telégrafo; arrumei a cama e me deitei para dormir. Passadas mais ou menos duas horas, chegou o agente, bateu na janela e perguntou se ainda havia movimento de trem. Respondi negativamente e ele voltou para casa sem dizer uma palavra a mais. No dia seguinte, o agente chegou ao trabalho com cara de maus amigos, tratando-me com estupidez. A esposa, percebendo a mudança do marido, perguntou-me:

- “Que está havendo com meu marido”?

- Não sei de nada - respondi.

- Você sabe e eu sei também; não faça por menos, visto que você é solteiro e pode; mas ele é casado - disse ela. Os maus tratos continuaram. Eu me queixei com aquela senhora e disse a ela que eu iria embora.

Certo dia, ele me disse: “Sei que o senhor quer ir embora; avise-me com muita antecedência para que eu possa arranjar outro para por em seu lugar”. Nada lhe respondi. Poucos dias após, aproveitando a partida de um trem de passageiro da estação de Cipó para Água Fria com destino a Senhor do Bonfim, eu disse ao agente: “Hoje, vou-me embora”. Ele esbravejou, mas já era tarde. Livre, tomei o trem de volta à minha Barrocas.

Algum tempo depois, voltando de Alagoinhas, ao chegar a Água Fria, fiquei na classe do trem junto à janela do lado oposto à estação. Vendo uma senhora muito amiga da moça do namoro disputado, chamei e perguntei-lhe o que havia acontecido com ela.

A fulana me contou: “O agente deflorou ela e sendo descoberto, alugou uma casa em Água Fria Velha e botou ela para morar”. Voltei para Barrocas e continuei trabalhando.

Certo dia, ele me disse: “Sei que o senhor quer ir embora; avise-me com muita antecedência para que eu possa arranjar outro para por em seu lugar”. Nada lhe respondi. Poucos dias após, aproveitando a partida de um trem de passageiro da estação de Cipó para Água Fria com destino a Senhor do Bonfim, eu disse ao agente: “Hoje, vou-me embora”. Ele esbravejou, mas já era tarde. Livre, tomei o trem de volta à minha Barrocas.

Algum tempo depois, voltando de Alagoinhas, ao chegar a Água Fria, fiquei na classe do trem junto à janela do lado oposto à estação. Vendo uma senhora muito amiga da moça do namoro disputado, chamei e perguntei-lhe o que havia acontecido com ela.

A fulana me contou: “O agente deflorou ela e sendo descoberto, alugou uma casa em Água Fria Velha e botou ela para morar”. Voltei para Barrocas e continuei trabalhando.

CONVOCAÇÃO AO SERVIÇO MILITAR

Em 1943, eu tinha 22 anos, praticava telégrafo na estação da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (VFFLB) em Barrocas. Precisei tirar a Carteira de Reservista para ingressar na estrada de ferro; fui a Serrinha e apresentei-me ao Serviço de Alistamento; alistei-me, voltei para casa e fiquei aguardando o prazo para receber a carteira de 3ª categoria. Enquanto aguardava, recebi uma comunicação do Exército, dizendo da minha impossibilidade de requerer a carteira, visto ter sido sorteado para o Serviço Militar. Algum tempo depois, fui ao órgão de alistamento e o tenente confirmou que eu tinha sido convocado para o Serviço Militar. Entregou-me o comunicado e, com este, vinha também a ordem de descer para Salvador no primeiro transporte que seria o trem de passageiro do dia seguinte. Argumentei: “Tenente, moro para lá de Barrocas, distante daqui quatro léguas e meia; como posso ir a casa e ainda viajar amanhã? Nem transporte tem mais hoje para onde moro”.

A resposta foi: “Se não viajar amanhã no “rápido”, será considerado insubmisso. Vire-se”.

Não tive outra escolha senão enfrentar a pé a longa viagem pela linha de ferro, deixando de lado a estrada de boiada. Por sorte, depois de muito andar, veio o trole do mestre de linha; pedi a ele uma carona até perto da Fazenda Itapororoca. Chegando a casa, disse: “Minha mãe, vim buscar minha roupa porque fui sorteado para o Exército; se tiver algum dinheirinho me arranje”. Ela, chorando, preparou um embrulho com a roupa, entregou-me juntamente com o dinheiro. Pedi-lhe a bênção, despedindo-me, e ela ficou chorando.

Tomei a estrada, levando debaixo do braço uma trouxinha com algumas poucas peças de roupa. Fui andando pela linha férrea. Por sorte, vinha um trem em direção a Barrocas. Como vinha devagar, por ser uma subida, eu consegui pongar nele. Dormi em Barrocas. No dia seguinte, passou um trem de lenha em direção a Serrinha e eu pedi uma carona. Chegando lá, fui logo à Seção de Recrutamento e recebi a requisição da passagem para viajar no próximo trem de passageiro para Salvador - o rápido - que fazia o percurso de Senhor do Bonfim a Calçada, em Salvador

Ao embarcar, encontrei um grupo de jovens convocados como eu. Eles iam se apresentar ao comando do Exército na Capital. Entre eles, reconheci um rapaz que também era praticante de telegrafo em Itiúba, irmão do agente da estação de Camaçari. Era a primeira vez que eu ia a Salvador e já era noite; dinheiro pouco e insuficiente para pagar uma pensão.

O conhecido de Itiúba convidou-me a saltar em Camaçari e dormir em casa do seu irmão. Pela manhã, pegamos o Pirulito - um trem suburbano que vinha cedinho de Alagoinhas para Calçada.

Chegando ao destino, saltei com o companheiro e, a pé, dirigimo-nos ao Forte de São Pedro para nos apresentar.

NO FORTE DE SÃO PEDRO

Após a longa caminhada de Calçada até o Campo Grande, onde havia um órgão do Exército no qual os futuros soldados faziam a primeira inscrição. Apresentei-me, mandaram-me preencher uma ficha e, em seguida, encaminharam-me para o Forte de São Pedro, onde fui recebido.

À noite, dirigi-me ao dormitório. As camas eram poucas e os que chegavam primeiro ocupavam. Tirei o paletó e o sapato e me acomodei no assoalho duro, fazendo do paletó dobrado um travesseiro. Nos dias seguintes, as coisas começaram a melhorar em referência à dormida. Aos poucos a situação foi-se normalizando com a organização do refeitório, dormitório e do que fosse mais necessário. Entretanto, as Companhias do 1o Batalhão eram formadas em locais diferentes, como no caso da 2a Companhia do 1o Batalhão que ocupou por algum tempo a Casa d'Italia onde era instalado o Consulado Italiano.

A INSPEÇÃO DE SAÚDE

Chegou o dia em que os recrutas seriam submetidos à inspeção de saúde para avaliar se o jovem estava apto fisicamente para o Serviço Militar. Fomos conduzidos ao Hospital do Exército - lá na Ladeira dos Galés. Os jovens, postos em fila, foram examinados cuidadosamente. Chegou a minha vez de ser submetido ao exame. Apesar de um defeito na falange do dedo indicador da mão esquerda.

A inspeção de saúde dos soldados que deveriam viajar era muito rigorosa. Em cada sala do hospital era feito um exame. A sala seis ficou famosa, pois era lá que se fazia o exame mais esquisito.

INCORPORAÇÃO AO EXÉRCITO

Julgado apto ao Serviço Militar, fui incorporado ao Exército. Daqui em diante eu já era um soldado do Exército Brasileiro, engajado no 18o Regimento de Infantaria (18 RI) sob o nº. 696, passando a ser identificado não mais pelo nome João Gonçalves

Pereira Neto, mas como soldado 696, tendo como nome de guerra Neto. Minha Casa de Ordem foi a Casa d'Italia que fica entre o Largo dos Aflitos e o Campo Grande. Os exercícios militares eram feitos no jardim suspenso nos fundos do Palácio do Governo.

Não tínhamos farda ainda; íamos vestidos com nossas próprias roupas e gastávamos nossos próprios sapatos nos exercícios. Meses depois, chegaram as fardas.

A VIDA COMEÇA A SER ORGANIZADA NA CORPORAÇÃO

O alojamento e o refeitório começam a ser organizados. Começamos a receber uma quantia de 21$000 (vinte e um mil réis) como soldo. Meses depois, o recruta era convocado para ser submetido a uma prova para ver se já estava em condições de passar para a categoria de praça pronto, ou seja, soldado já feito. O sargento chamava um grupo de recrutas e fazia uma série de perguntas. Quem respondesse corretamente, seria aprovado. Chegando a minha vez, respondi a todas as perguntas com precisão e fui aprovado.

Surgiu um concurso: Desmontar e montar um fuzil com os olhos vendados. Quem fizesse isso no menor espaço de tempo, passaria para a categoria de soldado desarranchado. Venci também aquela prova. O vencedor fazia as refeições no quartel junto com os arranchados, sem pagar; o praça-pronto recebia um soldo de 26$000 (vinte seis mil réis) e mais uma diferença em dinheiro como gratificação por ter passado no concurso.

Do Forte de São Pedro - que era a 1a, 2a e 3a Companhias - fomos aquartelados no Forte do Barbalho (3a Companhia). Ali todos tinham o tratamento de arranchados.

Fui sempre um soldado consciente de meus deveres e obrigações. Mas, não obstante tudo isso, algumas vezes fui castigado injustamente.

Enquanto isso, fui julgado apto para a Força Expedicionária Brasileira. Ficamos aquartelados numa casa ainda em construção no pé da ladeira da Barra. Depois, ficamos no Forte de São Diogo, onde as instruções eram constantes.

LEMBRANÇAS

Certa feita, fomos à Pituba para fazer uma instrução de combate sobre como fazer prisioneiros. Chegamos à tardinha e a instrução foi à noite. Antes de entrarmos no mato, chegou o “carroção”, puxado a burro, com a alimentação. Então, entramos em forma para a refeição. Mas a comida que veio foi pouca, ficando alguns soldados sem receber a bóia, inclusive eu. O comandante despachou o “carroção” de volta ao Forte de São Pedro para buscar mais alimentação para os soldados que tinham ficado sem comer.

Lá pelas tantas da noite, chegou a comida: feijão cozido com carne do sertão, com muito sal e ainda duro. Alimentados, iniciou-se a instrução. Nesta noite, foi grande o meu sofrimento. Sentia muita sede; não podíamos beber água de córregos só do cantil, mas esta já havia terminado. Para completar, um espinho de mandacaru da praia tinha entrado em minha botina e encravado dentro. Tive que suportar até o final da instrução. Quando entramos em forma para o retorno, pedi permissão para sair e tirar o espinho.

Ao iniciarmos a marcha, caiu uma forte chuva, deixando todos ensopados, inclusive a mochila com o nossos pertences. A marcha prossegui - ainda era noite, a sede persistia. Ao passar pelo Rio Vermelho, havia uma casa aberta, onde era feito um velório. Saí de forma sem pedir permissão, encostei-me na porta da casa e pedi água. Bebi, saí correndo até alcançar a tropa. Chegamos ao alojamento pela manhã. Deram-nos dois dias de folga.

Almoçamos no quartel e saímos para o acampamento da Boca do Rio. À noite, não mandaram comida; tivemos que nos defender comprando pão e peixe assado a um rapaz que estava vendendo. Só no outro dia, a alimentação chegou.

De outra vez, fomos acampar em Itapoan. Saímos à tardinha e tivemos que dormir ao pé de uma cerca, forrando o chão com a lona da barraca e o cobertor por cima. Pela manhã, fomos à Lagoa do Abaeté - que na época era uma lagoa mesmo: funda e rodeada de árvores. Lá fizemos instrução de combate, cavando na areia das dunas.

EMBARQUE PARA O RIO DE JANEIRO

No dia determinado, tocou para a formatura no pátio do Forte do Barbalho. Anunciaram que teríamos que embarcar naquela tarde para o Rio de Janeiro e, por isso, não teríamos alimentação no quartel; teríamos que sair do Forte do Barbalho, em marcha para tomarmos café no Forte de São Pedro e, depois, voltar para o Barbalho a fim preparar a mala para a viagem. Só ficariam no Forte do Barbalho os que não tinham sido julgados aptos para a viagem.

As malas foram preparadas e cada um colocou a etiqueta com seu nome. Saímos em marcha com as malas e deixamos em fila em frente ao corpo da guarda. Lá pelas 14 horas, seguimos para o cais do porto descendo pelo Largo dos Aflitos até chegar ao cais. Chegando, encontramos o navio costeiro Itaimbé ancorado. As malas já estavam lá; cada qual pegou sua e entramos. Ali, nos juntamos com a tropa de artilharia do 5o GEADOR e do 4o GEMAC (Grupo Móvel de Artilharia Costeira). Os portões foram fechados. Os parentes dos soldados que estavam partindo não podiam entrar para ficar com eles até a hora da despedida. Houve um protesto dos soldados dizendo que, se não abrissem o portão, derrubariam as grades. Diante disso, os portões foram abertos e os parentes entraram.

Ao pôr do sol, foi dado o sinal de partida. Todos entramos e o navio começou a afastar-se do cais. Passado o quebra-mar, arriaram-se as âncoras e passamos a noite ali, devido ao perigo de viajar àquela hora.

Foram três dias de viagem até o Rio de Janeiro. Chegando, fomos levados para a Vila Militar em Deodoro. O alojamento era um galpão de tábua coberto com telhas tipo Eternit. Lá ficamos algum tempo fazendo exame de saúde e aguardando o dia do embarque para a Itália.

EMBARQUE E VIAGEM PARA A ITÁLIA

No dia 25 de novembro de 1944, os soldados foram levados para o cais do porto de trem. Na medida em que iam completando as classes, ficava um oficial em cada porta e fechavam-se as janelas. Ao chegar ao cais do porto, abriam-se as portas das classes do lado do mar e, em fila, os soldados entregavam o saco B para viajar no porão do navio, e recebiam um crachá com indicação do compartimento que deviam ocupar, horário de alimentação e o barco salva-vida.

Cerca de cinco mil soldados foram embarcados no navio General Meigs de transporte de guerra - fora a tripulação. Ao por do sol, o navio afastou-se do cais e, depois do quebra-mar, arriou âncoras. Às cinco horas da manhã, seguiu viagem. Nós ficamos olhando a imagem do Cristo Redentor, até que desapareceu. A embarcação era comboiada por uma esquadra brasileira e outra americana compostas de caça submarino, porta-aviões cruzador e outros. De vez em quando o avião levantava voo e fazia uma ronda e voltava para o navio.

À noite navegávamos às escuras, somente as luzes vermelhas ficavam acesas nos compartimentos. Tínhamos apenas duas refeição por dia, exceto o pessoal de serviço que tinha mais uma. Os soldados eram distraídos com jogos e até com shows.

PISANDO EM SOLO ITALIANO

Chegando ao estreito de Gibraltar, o comboio regressou e continuamos viagem sozinhos. Chegamos a Nápoles - Itália, no dia sete de dezembro de 1944. Chegando lá, já sentimos os efeitos da guerra: O prédio da alfândega estava todo bombardeado; o relógio desregulado; navios com os cascos afundados; os italianos pedindo comida aos soldados. Uma parte seguiu de caminhão direto para Pisa e outra, para Livorno (Itália), de barcos com capacidade para 200 homens.

Ao chegar a Livorno, tinha havido um bombardeio e balões de barragem estavam içados, mal dava para uma barcaça encostar ao cais; vinha outra, encostava-se àquela e os soldados iam passando de uma para outra até desembarcarem todos. Dali viajamos em caminhão até Sorassorre - cinco quilômetros além de Pisa - onde era o antigo campo de aviação. Lá ficamos acampados com uma temperatura abaixo de

zero. Foram armadas barracas de dois praças. Encontrei um montículo e armei a minha barraca; forrei o chão com mato seco e cobri-me com a manta. Choveu à noite e os que estavam em local mais baixo ficaram inundados.

Dias depois, fomos para Stáffoli e acampamos em um bosque. Chegamos às vésperas de Natal. Sem alimento, a refeição da noite foi uma fatia de pão com café preto. Dormíamos também em barracas de dois praças. Não havia banheiros, passávamos dias sem banho; as águas começavam a congelar. Fui a uma casa italiana e solicitei um banho quente; pediram que eu voltasse no dia seguinte. Aqueceram a água e mandaram-me para um quarto e lá tomei o banho. O pagamento foi uma carteira de cigarros. Um italiano teve a idéia de vender banho quente, até que os americanos providenciaram banheiros quentes para os soldados.

NA COMPANHIA DE COMANDO

Eu era da 5a Companhia do 3o Batalhão de Infantaria. No Rio de Janeiro, eu tinha trabalhado na carpintaria junto com o cabo Francisco Saraiva, embalando algo para levar para a Itália. Ele continuou na Companhia de Comando na Itália. Um dia nos encontramos e ele me perguntou:

- “Neto, você não quer ir para a Companhia de Comando? Eu lhe respondi: “Como poderei ir se não tenho quem me consiga isso”? Ele pediu o meu nome e o número. Em poucos dias eu estava transferido para a Companhia de Comando. E fui trabalhar com esse cabo que estava como comandante de um grupo de combate.

No inverno, o clima era horrível. Suportamos uma temperatura de até 18 graus centígrados abaixo de zero. No verão, um calor de 40º e o canto das cigarrinhas durante o dia e a noite perturbando nossos ouvidos.

RECORDAÇÕES

Necessitando de uma pessoa para lavar minha roupa, aproximei-me de uma família italiana, cuja casa tinha sido semi-destruída por um bombardeio americano para desalojar soldados alemães. O dono da casa chamava-se Pietro Marchi. Falei com a filha, Lea Marchi, que se dispôs a lavar minhas roupas. Tornei-me amigo da família. Entre as filhas, havia uma garota de 14 anos de nome Mariza. Ela não ia com a minha cara, mas eu achava seu nome muito bonito, tanto que quando me tornei pai, batizei a minha filha mais velha com esse nome. Lembro-me também de um ensaio de namoro com uma mocinha italiana chamada Pierina Miacchi. O namoro só não foi adiante porque ela era já prometida em casamento pelos pais a um rapaz, filho do vizinho, de apenas 18 anos; o moço esperava fazer o serviço militar para poder se casar.

NO DEPÓSITO DE PESSOAL DA FEB

O Depósito de Pessoal foi organizado para suprir as baixas que aconteciam no front - nas linhas de combate. Quando necessitava completar as tropas em combate, mandavam os caminhões e enchiam de soldados que estavam ali e levavam para a luta.

Composto o Depósito de Pessoal da Força Expedicionária Brasileira (FEB), cada batalhão foi escolhendo o local de seus acampamentos. A Companhia de Comando, chefiada pelo Capitão Alceu Massa de Albuquerque, amigo dos soldados, escolheu um local onde a Companhia ficava bem acampada. Entretanto, o Comando do Depósito, querendo instalar um serviço de manutenção, determinou que o capitão Alceu procurasse outro local e cedesse aquele para oficinas e outros serviços. Diante disso, Alceu não gostou e entregou o comando da companhia ao Comando Geral do Depósito, preferindo ficar disponível, para no caso de uma necessidade, ser enviado para o front. Ele mandou anotar o meu nome e número. O Valdemar e o Jorge, aproveitando a oportunidade, pediram também para sair da Companhia de Comando.

O Capitão encaminhou os pedidos de transferência para o Comando do Depósito. Como resposta, foi informado que os soldados que compunham a Companhia de Comando só sairiam da Companhia se fossem maus elementos. Jorge e Valdemar, como tinham muitos amigos na Casa da Ordem, conseguiram transferência: Jorge para o Batalhão de Saúde e Valdemar para o Correio Regulador em Nápoles. Eu continuei

na companhia de Comando. Pouco tempo depois, o famoso capitão foi substituído. Veio para seu lugar um capitão, como comandante, e o Primeiro Tenente, de nome Mendonha, como subcomandante. Este começou a me perseguir.

Eu para me livrar de estar subordinado a tal elemento, fui à Casa de Ordem e pedi transferência, indo servir no Batalhão de Embarque em Francolise.

O FIM DA GUERRA

Terminada a Guerra em oito de maio de 1945, as tropas brasileiras só começaram a regressar ao Brasil em agosto e setembro daquele ano. Isso porque a Guerra do Pacífico continuava e a notícia era de que os soldados brasileiros deveriam partir para o Japão.

Enquanto estava na dúvida se as tropas voltariam ao Brasil ou se iriam para o Japão, as instruções bélicas continuaram até que foram lançadas as bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroxima e Nagazaki. Com isso, as tropas do Japão se renderam.

Durante aquele tempo de espera, os soldados tinham o direito de conhecer algumas cidades históricas da Itália. Podia-se escolher entre passar oito dias em Roma ou seis dias em Firenze (Florença).

Outra viagem que fiz, por minha decisão, foi a Pompéia. Antes de viajar à Itália, aqui no Brasil, assisti ao filme “Os últimos dias de Pompéia” relatando a erupção do vulcão Vesúvio destruindo a cidade com suas larvas incandescentes. Chegando à noite, dormi em Torre Anunziata, cidade vizinha.

No dia seguinte, pela manhã, fui visitar a parte velha da cidade de Pompéia, onde existia, até então, reminiscência da depravação vigente no passado. De lá, eu fui à parte nova da cidade. Visitei a Igreja de Nossa Senhora de Pompéia e a sala dos milagres. Terminada minha visita, voltei ao acampamento.

CAUSAS DA 2ª GUERRA MUNDIAL

“Um dos mais importantes motivos para a 2ª Guerra Mundial foi o surgimento, na década de 1930, na Europa, de governos totalitários com fortes objetivos militaristas e expansionistas. Na Alemanha surgiu o nazismo, liderado por Hitler e que pretendia expandir o território Alemão, desrespeitando o Tratado de Versalhes, inclusive reconquistando territórios perdidos na Primeira Guerra. Na Itália estava crescendo o Partido Fascista, liderado por Benito Mussolini, que se tornou o Duce da Itália, com poderes sem limites”.

“Tanto a Itália quanto a Alemanha passavam por uma grave crise econômica no início da década de 1930, com milhões de cidadãos sem emprego”.

“Na Ásia, o Japão também possuía fortes desejos de expandir seus domínios para territórios vizinhos e ilhas da região. Estes três países, com objetivos expansionistas, uniram-se e formaram o Eixo. Um acordo com fortes características militares e com planos de conquistas elaborados em comum acordo”.

POR QUE O BRASIL ENTROU NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

“A posição geográfica do país que ocupa a parte mais estreita do Atlântico próximo à África , seu tamanho e população tornavam, no mínimo, difícil a manutenção da neutralidade do Brasil. Desde 1940, os EUA nos pressionavam para que fizessem uma ocupação "preventiva" do território nordestino e a instalação, ali, de bases aéreas que permitissem escala para os vôos rumo à África e ao Oriente. Ao mesmo tempo, pretendiam impedir que essa rota aérea e esses locais para bases fossem ocupados por países do Eixo. Em meados de 1941, seis meses antes da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, essas bases e rotas aéreas já eram uma realidade”.

“Por aqui, passaram dezenas de milhares de aeronaves armadas e municiadas para combate, rumo aos campos de batalha africano e asiático. Simultaneamente, o Brasil passou a fornecer importantes materiais estratégicos aos Aliados, como minerais, borracha, etc. Diante desses fatos, os alemães perceberam que a neutralidade do Brasil era apenas teórica e passaram a atacar maciçamente nossos navios mercantes. Os

sucessivos torpedeamentos de nossos navios é que levaram nosso país a declarar guerra aos países do Eixo”.

OS GRANDES FEITOS DO BRASIL DURANTE

A SEGUNDA GUERRA

“Houve vários. Por ordem de importância, eu cito os seguintes: ter servido como ponte aérea para o envio de grandes aeronaves dos EUA para todas as rentes de batalha; fornecer alimentos e matérias-primas para o esforço industrial norte-americano; cooperar com o patrulhamento do Atlântico e ajudar a impedir o tráfego de navios e submarinos do Eixo naquela área; e disponibilizar uma divisão de infantaria para lutar na Itália. No contexto italiano de operações, gostaria de destacar dois grandes feitos da FEB. O primeiro é a tomada de Montese, em 14 de abril de 1945, que praticamente salvou o dia”.

“O segundo é a captura em combate da 148a Divisão de Infantaria alemã e dos remanescentes das Divisões Itália e Monte Rosa (que constituíam o chamado Exército da Ligúria, última formação importante ainda em condições de combater na Itália). A captura dessas formações ajudou a apressar o fim da guerra na Itália, que se deu poucos dias depois”.

BAIXAS DURANTE A GUERRA

“A FEB teve 443 mortos, uns 1.500 feridos e aproximadamente oito mil doentes a maioria vítima do clima pavoroso (até 20 graus negativos) nas montanhas dos Apeninos durante o inverno. No mar, morreram certa de 900 pessoas em decorrência de torpedeamentos. São baixas pouco expressivas se comparadas às que os outros combatentes sofreram. De longe, quem sofreu as maiores perdas foram os russos, que tiveram aproximadamente 20 milhões de cidadãos e cinco milhões de combatentes mortos”.

O RETORNO DOS PRACINHAS BRASILEIROS

“A recepção foi eufórica, fazendo dos veteranos da FEB pessoas muito prestigiadas. Contudo, essa euforia durou pouco, e aos ex-combatentes restou uma rotina penosa de readaptação à realidade da vida civil, nem sempre possível para muitos. Traumas psicológicos de todo tipo e a rotina da luta pela sobrevivência no mercado de trabalho dificultaram o retorno de milhares de brasileiros que estiveram nos campos de batalha à vida normal”.

As primeiras leis de amparo aos ex-combatentes só foram aprovadas em 1947.

Texto copiado de: (http://www.miniweb.com.br/cidadania/hinos/video_feb_1.html) .

VOLTA AO BRASIL

Com a rendição das tropas japonesas, as tropas expedicionárias brasileiras ficaram livres para regressar ao Brasil. O meu contingente chegou ao Rio de Janeiro no dia 23 de setembro 1945. Desembarcamos no cais do porto e seguimos em marcha (em seis filas) até a Praça da República onde ficava o Ministério do Exército. Apesar do cordão de isolamento, o povo invadia o espaço para retirar da manga do fardamento o distintivo da FEB - a cobra fumando. Depois, os soldados foram distribuídos pelos quartéis do Rio. Eu fiquei aquartelado na Escola Superior de Guerra. Aquartelados na Escola Superior de Guerra do Rio de Janeiro, fiquei uns dias aguardando embarque para o Nordeste. Fui dispensado em primeiro de outubro de 1945.

Meu regresso à Bahia foi antecipado à saída do navio destinado a fazer a distribuição dos soldados do Nordeste. Peguei outro navio que estava partindo para o Nordeste naquele momento.

Eu não era esperado aqui na Bahia. Quando o navio em que eu vinha ia chegando ao cais do porto, o esposo de uma prima minha, que era fiscal de bonde, avistou-o. Suspeitando que aquele navio trouxesse os soldados de volta e imaginando que eu poderia estar chegando com ele, foi até o cais e nos encontramos. Fui para a casa.

No dia seguinte, fui à estação da estrada de ferro VFFLB e fiz um teste para telegrafista. Fui aprovado e voltei para Barrocas. Houve festa em comemoração à

minha volta. Minha mãe havia feito uma promessa de que, se eu voltasse da Guerra, iria fardado participar de uma missa em Barrocas. Pagamos a promessa.

Voltando da igreja, fiquei em pé na calçada da estação olhando o movimento na rua em frente, onde morava Antônio Queiroz. Enquanto isso, vi passar a senhorita Zizi de braços dados com uma das irmãs e olhando para mim. Ela disse para a companheira que iria tirar umas linhas comigo (procurar namoro). De fato, o namoro começou e tornou-se casamento em 11 de novembro de 1946, na igreja de Barrocas.

NOMEADO TELEGRAFISTA

Nos últimos dias de dezembro de 1946, fui avisado pelo encarregado do telégrafo de Calçada que eu tinha sido nomeado telegrafista, devendo tomar posse na estação de Itareru. Fiquei trabalhando naquela estação até que fiz a permuta com o telegrafista de Serrinha, Antônio Pinheiro. Em Serrinha, eu trabalhava de telegrafista e de conferente. Após quatro anos de trabalho, entreguei ao agente da estação um requerimento para ser encaminhado à direção da VFFLB pedindo demissão, afastando-me imediatamente do serviço.

Imediatamente, depois do diálogo que tive com o agente, pedi para datilografar o requerimento de demissão sem alegar o motivo; entreguei-o ao chefe da estação para ser encaminhado à Direção da Leste. Pedi que ele mandasse o conferente Dionísio receber o armazém de cargas e tudo que havia dentro. Lavrei a relação do balancete. Eu e Dionísio assinamos e dei para o agente dar o visto. Tudo feito, afastei-me do serviço.

Com o pedido de meu afastamento em mãos, o agente encaminhou-o ao escritório Central da Leste. O escritório devolveu o pedido dizendo que a direção da Leste não poderia dar a demissão porque eu era segurado por lei na condição de ex-combatente; que eu fizesse outro requerimento semelhante e encaminhasse ao Presidente da República. Eu não fiz o requerimento sugerido. Três meses depois, recebi um comunicado solicitando uma justificativa pela falta ao serviço. Eu não justifiquei e continuei afastado.

EXPLOSÃO DA LOCOMOTIVA 500 DA VFFLB

No dia 10 de setembro de 1951, em Serrinha (BA), aconteceu um acidente doloroso com a explosão de uma locomotiva a vapor da estrada de ferro Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, identificada pelo número 500. Com a explosão, muitas pessoas, principalmente ferroviários, foram lançadas ao ar, indo cair até a centenas de metros do local. Outras morreram atingidas por pedaços da ferragem. Toda Serrinha ficou abalada pela dor das famílias com a perda dos entes queridos.

Nessa explosão, morreram nove pessoas, entre maquinistas, foguistas, guarda-chave, truqueiros e até duas crianças. Curioso foi que até meu nome foi citado entre os mortos.

Conta-se que um foguista escapou por ter ido pegar estopa ou tomar um gole de cachaça. Eu escapei porque, com o atraso, viajei em outro trem que antecipou o horário.

O MOINHO DE CAFÉ E O MOTOR DE SISAL

Afastado da estrada de ferro, eu voltei para Barrocas. Instalei um moinho de café, tendo comprado um motor e os implementos necessários. Sem condições de competir com os donos de moinho de café de Serrinha, não pude continuar com essa atividade. Mandei fazer uma base móvel de madeira, coloquei sobre ela o motor; adaptei duas bocas de desfibradora de sisal e comecei a trabalhar nos campos de sisal em Feira de Santana e Nova Soure.

Em Nova Soure, houve um incêndio na cabana onde ficava o motor; tudo foi destruído e o motor ficou danificado. Trouxe-o para Barrocas e fiz o conserto, mas ficou sem forças; mandei-o para a firma onde eu o tinha comprado e as peças defeituosas foram substituídas, voltando a funcionar bem.

Em Barrocas, fui trabalhar no sisal da Fazenda Mangabeira de propriedade do senhor Sinfrônio Queiroz e depois vendi o motor a ele.

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INGRESSO NA PETROBRÁS

Vendido o motor de sisal, fiquei sem ter outra atividade. Para minha sobrevivência, eu precisava encontrar um emprego estável. Procurei o Dr. Ruben Nogueira e ele, com o prestígio que tinha com o então Presidente de Petrobrás, conseguiu me dar uma força. Fui chamado a fazer um teste no Escritório Central da Empresa na Jiquitaia em Salvador.

Bem sucedido nos testes, fui admitido na função de bombeador A de campo, em cinco de julho de 1955. Fui trabalhar no Campo de Dom João, município de São Francisco do Conde-BA. Em agosto do mesmo ano, permutei com um bombeador, nascido em Dom João, que trabalhava em Mata de São João-Ba.

Já morando em Mata de São João, fui de imediato trabalhar em um poço de gás de alta pressão. Era de muita responsabilidade porque se devia ficar observando as variações do manômetro. Isso porque as variações de abrir e fechar o gás nas caldeiras, alterava também a pressão do poço. Para isso, tinha-se que ficar bem atento porque todo o movimento era registrado numa carta colocada em um sistema tipo relógio que registrava todas as variações do movimento do gás. Por essa carta, o setor de produção tinha conhecimento de como o bombeador do turno tinha agido.

Em primeiro de abril de 1957, fui promovido a auxiliar de oleoduto; em primeiro de julho de 1958, fui promovido a trasferente e, em primeiro de agosto de 1960, a transferente-chefe; em primeiro de setembro de 1961, a capataz de oleoduto, especializado; em dois de janeiro de 1969, depois de ter feito um curso de especialização em oleoduto, com duração de quatro meses em Catu-Ba, fui elevado a auxiliar técnico de produção.

UM FUNCIONÁRIO ATENTO

No desempenho de minhas atividades na Petrobrás, tive oportunidade de tomar iniciativas e usar de criatividades ousadas. Apesar de novato na empresa, fui transferido do campo de Dom João, onde comecei a trabalhar, para o campo de Mata de São João. Nesse campo, de inicio, trabalhei em um poço de alta pressão que tinha a capacidade de 2.000 libras de pressão por polegada quadrada.

Convidaram-me para auxiliar na instalação. Eu trabalhava dia e noite fazendo teste na linha do oleoduto. Como tudo ia correndo bem, continuei trabalhando na Estação de São Roque como transferente.

Na Petrobrás, fui convidado a ser Chefe da Comissão Paritária que tinha como objetivo dar parecer sobre faltas cometidas pelos funcionários da empresa. Depois do parecer, passava-se o processo ao advogado. Como o advogado fazia parte do Sindicato, engavetava o processo até prescrever. Sendo assim, achei que não teria mais sentido continuar na comissão e pedi para deixá-la.

Com a criação do Distrito Norte e Distrito Sul, aboliu-se a chefia de campo mantida por engenheiros e constituiu-se outra, tendo um técnico de campo à frente das coordenadorias. O primeiro coordenador foi Luís Good Lima e eu fui nomeado seu auxiliar de campo em Mata de São João.

Depois, fui mandado para fazer um curso de especialização de oleoduto em Catu, com duração de quatro meses. Com esse curso, fui nomeado auxiliar-técnico de produção. Em seguida, fui transferido para estação de Camboatá em Alagoinhas. Houve mudança de chefia: Saía o Dr. Clementino e assumia outro engenheiro. O relacionamento entre mim e o novato não era amistoso.

APOSENTADORIA

Antes de ter acontecido o acordo para a minha aposentadoria, o engenheiro, com cara de bonzinho, veio saber de mim se eu tinha tempo de serviço. Respondi que ele não obteria nenhuma resposta de minha parte.

Meses depois, fui chamado à Jiquitaia. Indo atender à convocação, o funcionário que trabalhava no setor de pessoal disse-me: “De lá do campo, soube que o senhor já tem tempo de serviço; quero ver sua Carteira Profissional”. Entreguei-lhe a carteira e ele me perguntou se eu tinha trabalhado em outro lugar. Disse-lhe que não o informaria porque eu estava fazendo acordo com a Petrobrás e não com outra empresa. Completei dizendo-lhe: “Se quiserem que eu faça acordo, estou aqui para assinar. Se não, eu vou à Justiça do Trabalho; registro lá e saio quando eu quiser”. Ele foi à chefia e quando voltou, entregou-me a carteira. Perguntei-lhe: “E agora”? O funcionário me respondeu: “Agora, quem está com pressa somos nós”.

Tudo nos conformes, no dia 11 de maio de 1973, encaminharam à Petrobrás o pedido de acordo entre mim e à empresa, tendo sido homologado na diretoria do Sindicato dos Petroleiros. Imediatamente, solicitei os últimos 36 meses de contribuição para o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), necessários para requerer a aposentadoria por tempo de serviço. No dia 15 de maio de 1973, a Petrobrás forneceu o documento solicitado. Dei entrada no pedido de aposentadoria no dia 17 de maio do mesmo ano, sendo concedida com data inicial de 17 de maio de 1973, considerando-se o tempo de serviço de 27 anos, quatro meses e sete dias. A renda mensal foi de CR$ 2.665,00 (dois mil seiscentos e sessenta e cinco cruzeiros).

MINHA VIDA RELIGIOSA

Minha mãe tinha por costume reunir os filhos menores e ensinar a fé cristã, usando o Pequeno Catecismo da Doutrina Cristã em perguntas e respostas, conforme o costume da época. Todos os dias, meus pais acordavam às três horas da madrugada para rezar ou cantar o Ofício da Imaculada Conceição com a família. Terminado o ofício, cada um procurava cuidar de suas obrigações de trabalho.

Quando começamos a estudar, minha mãe prometeu dar um presente a quem aprendesse a ler. A mim, ela deu uma bíblia que me acompanhou até durante a guerra na Itália.

Certo dia o capelão, Padre Abranche Viotti, solicitou alguém para fazer um trabalho sobre a Páscoa, para ser apresentado no dia da comemoração da festa. Quem quisesse poderia apresentar-se. Como ninguém se manifestou, eu me prontifiquei. Foi uma ousadia de minha parte, pois eu pouco conhecia sobre o assunto.

Porém, com a ajuda de um sargento que falava bem o espanhol, nós encontramos o material necessário para o tema, pesquisando em um livro em castelhano. No dia e hora marcados, eu fiz a apresentação solicitada. Havia entre os soldados alguns que eram congregados marianos. Foi, então, criada entre nós a Congregação Mariana de São Luis Gonzaga da qual eu fiz parte.

ENGAJAMENTO NA PARÓQUIA DE MATA DE SÃO JOÃO

Chegando a Mata de São João em agosto de 1955, procurei engajar-me na vida paroquial participando da liturgia, dos movimentos religiosos e sociais da Paróquia. De início, fiquei impressionado com a pouca frequência de fiéis nas celebrações eucarísticas. Desejando despertar os paroquianos, pensei em organizar um programa religioso no serviço de altofalante da cidade. De acordo com o pároco, entrei em entendimento com o proprietário e patrocinei 20 minutos diários do serviço para o programa religioso intitulado Hora Católica.

Tendo ido ao Rio de Janeiro a serviço da Petrobrás, fui a um órgão de publicidade que editava um jornal com todo tipo de notícias nacionais e internacionais; filiei-me a ele; fiquei recebendo os jornais e retransmitia as matérias de interesse público.

Pouco depois, o padre José Astrogildo Moreira veio para assumir a Paróquia de Mata de São João. Nessa ocasião o serviço de altofalante que mantinha o programa religioso já era da Paróquia. Eu tinha adquirido um aparelho transmissor e receptor - construído pelo meu compadre Epifânio - e instalei junto à igreja, na casa onde Pe. Nelson morava.

O nosso serviço de altofalante, além da finalidade religiosa, era também de utilidade pública. Pedi autorização à Rádio Nacional para retransmitir seu noticiário intitulado Repórter Esso para toda a cidade.

TROCANDO O FORRO DA IGREJA POR LAJE DE CONCRETO

O forro da igreja matriz de Mata de São João era todo de tábuas pregadas por baixo de peças de madeira e já estava todo estragado. Planejou-se substituir por uma laje de concreto.

O trabalho começou pela retirada do forro velho da igreja. Para isso foi necessário construir internamente andaimes de caibros. A estrutura de andaimes foi feita de modo que não atrapalhasse as celebrações religiosas nem impedisse a acomodação dos fiéis.

Demolido o forro velho, iniciou-se a obra da laje no dia 24 de maio de 1967, sem uma planta elaborada por um técnico, confiando somente na prática do mestre-de-obras,

senhor Arival, e do armador da ferragem, senhor Aristides. Era realmente um serviço difícil de ser feito, pois a laje teria que seguir o estilo do forro da nave central que era em forma abaulada e as laterais planas. As extremidades das vigas eram apoiadas nas paredes laterais e nas colunas internas. O trabalho foi feito por etapas. A obra foi tão bem feita que todas as alterações feitas na estrutura ficaram escondidas.

CONSTRUÇÃO DA CASA PAROQUIAL DE MATA DE SÃO JOÃO

A Paróquia necessitava de uma casa com mais conforto para a residência do pároco. Conseguimos um terreno no fundo do Colégio Getúlio Vargas para a construção. Feitos os alicerces com pedras, conseguimos junto à Petrobrás algumas estacas de cimento quebradas. Entrelaçando os vergalhões das pontas e colocando uma ao lado das outras, sobre a alvenaria, enchíamos o centro com concreto. Foram comprados blocos de segunda na Cerâmica Serravale e transportados em um caminhão que estava a serviço da Estação São Roque com a devida autorização do responsável.

Ao chegar ao ponto de colocar as esquadrias das portas e janelas, fomos à serraria e o proprietário prontificou-se a fornecer todo o que fosse preciso, ficando o prazo de pagamento a critério de Pe. José Astrogildo e ele pagaria quando pudesse.

Certo dia, chegando à casa do padre, ele me disse que iria vender a casa porque o dono da serraria tinha ido cobrar o resto do dinheiro que tinha a receber, alegando que precisava para pagar o 13º salário dos empregados. Fui à serraria, procurei o dono e fiz a proposta de saldar o restante da dívida dando-lhe uma parte naquele momento e outra no fim do mês. Ele aceitou. No fim do mês a dívida foi liquidada. Finalmente, a casa paroquial foi construída e inaugurada em 15 de novembro de 1963.

A FILARMÔNICA

Havia em Mata de São João a Filarmônica 8 de Dezembro. A sede da entidade, apesar das condições precárias de conservação, ainda estava em funcionamento. Houve uma reunião para tratar da construção de uma nova sede. Como ao redor da sede havia terreno suficiente, eu dei a sugestão de construir a nova sede, deixando por dentro a casa velha sem destruir, até que a nova estivesse pronta. A minha sugestão não foi aceita.

Um senhor que morava ao lado, apresentou-se como candidato a presidente da filarmônica e foi eleito. Ele iniciou a construção da nova sede. Vencendo o seu mandato e havendo nova eleição, o Pe. José Astrogildo Moreira foi eleito presidente. A obra ficou inacabada, mas com as paredes levantadas a ponto de receber o telhado.

Durante a gestão do padre, um dos músicos criticava-o queixando-se de que as reuniões aconteciam raramente. Por isso, eu indiquei aquele cidadão como candidato a presidente da Banda. Ele foi eleito e eu, vice. Como o novo presidente nunca fazia reuniões, eu, como vice, convoquei uma reunião com o objetivo de por em prática os estatutos da Filarmônica que determinavam que as reuniões fossem realizadas de dois em dois meses.

O Presidente compareceu à reunião e prometeu observar os estatutos, mas não cumpriu o prometido. Nova reunião foi convocada e o presidente apresentou uma carta renunciando ao cargo. Daí em diante, assumi a presidência da Banda.

Continuei as obras iniciadas, colocando o telhado e as portas. Estando as paredes ainda no reboco e o piso só de estuque, providenciei uma mesa e bancos e iniciei uma escola de música. Precisando de dinheiro, saímos às ruas com a banda formada e tocando. Na frente meus dois filhos Jaques e José levavam uma faixa solicitando ajuda da comunidade.

Terminado o meu mandato, o novo presidente continuou as atividades iniciadas na minha gestão.

O PREFEITO NÃO RECONHECE PROPRIEDADE DA IGREJA

Todo o terreno que fica em frente à Igreja Matriz formando a praça, pertence à Paróquia. Foi doação da família Garcez à sociedade São Vicente de Paula, conforme consta no Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista de Mata de São João. Havendo uma parte da dita praça sem calçamento, o Pe. José Astrogildo propôs doar ao Estado para a construção de uma biblioteca pública.

O Coronel Santinho, então prefeito, protestou dizendo que o terreno não era da Igreja. Como eu já havia lido no Livro de Tombo da Paróquia o teor da escritura de doação, sugeri ao Pároco que solicitasse ao Cartório de Imóveis uma cópia da escritura do referido terreno. O requerimento foi feito e o Cartório atendeu a solicitação. O documento trazia o número do livro e a página onde estava registrado. Assim, ficou tudo esclarecido.

O prefeito, no entanto, mesmo sabendo que aquele terreno era da Paróquia, autorizava aos circos que chegavam à cidade a serem armados naquele local. O barulho dos espetáculos prejudicava os atos religiosos na igreja. E, quando iam embora, deixavam muita imundície no local. Perguntando ao padre se ele não iria tomar uma providência contra aquele abuso, ele respondeu: “Que providência posso tomar”?

Com a permissão do padre, providenciei um caminhão de pedras e coloquei no centro da área onde os circos eram armados. Com as pedras ali, eles não podiam ser armados. Assim, terminou o abuso.

O DIACONATO

Depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), com a revitalização do Diaconato Permanente, o padre José Astrogildo Moreira, pároco de Mata de São João, perguntou-me se eu não gostaria de ser diácono. Achei estranha a proposta; mas, depois de algumas considerações, o padre me convenceu a aceitar a ideia de se servir à Igreja como diácono permanente.

Dom Eugênio de Araújo Sales, que administrava a Arquidiocese de São Salvador da Bahia, e que havia participado do Concílio Vaticano II, foi o pioneiro em reintroduzir o diaconato permanente na Arquidiocese. Chamou o padre Érico de Praeter para formar o primeiro grupo de candidatos ao diaconato. Foram apresentados sete candidatos, contando comigo. Este grupo participou de um curso preparatório no Seminário de Itaparica. Ficamos ali por um mês, sob a orientação de Padre Érico, tendo como instrutores o padre Antonino e a Irmã Maria do Carmo.

No dia 23 de maio de 1968, viajei com Pe. Érico para a cidade de San Miguel, vizinha a Buenos Aires, para participarmos de um Congresso Internacional de Diáconos. O curso foi de uma semana, para tratarmos de assuntos referentes ao diaconato permanente.

Voltando de San Miguel, começaram os preparativos para a ordenação diaconal. Recebi a tonsura em Alagoinhas, na casa de Dom José Cornelis, em sua capela particular. Em 11 de agosto de 1968, recebi o subdiaconato administrado por Dom José na Matriz de Mata de São João.

Em agosto de 1968, estava programado um Congresso Eucarístico Internacional a ser realizado em Bogotá, Colômbia. Então, eu fui escolhido para ser ordenado durante aquele Congresso. Partimos para Colômbia no dia 17 de agosto de 1968. Fomos ordenados pelo papa Paulo VI, no dia 22 de agosto de 1968.

Ordenado diácono, fiquei incardinado na Arquidiocese de Salvador, exercendo o ministério na Vigararia Episcopal de Alagoinhas, na Paróquia de Mata de São João. Uma das minhas primeira atividades como diácono foi a criação da Comunidade de São Mateus em Caboré, na mesma paróquia.

Paralelamente, iniciei um trabalho na Colônia Agrícola JK e em Camaçari do Lunda (Mata de São João). Ai construímos uma capela. Aproximei-me dos japoneses que eram instalados lá e comecei uma catequese, chegando a batizar filhos de japoneses, tendo sido padrinho de dois deles.

ATIVIDADES EM PRAIA DO FORTE

A Fazenda Praia do Forte, situada no Litoral Norte e pertencente à Paróquia de Mata de São João, foi vendida a um grupo estrangeiro para exploração imobiliária, construindo até hotéis de cinco estrelas. Era uma área habitada por pescadores. Os estrangeiros queriam retirar os moradores da área, mas não tendo o apoio do governo, começaram a perseguir os mais antigos.

Este fato chegou ao conhecimento de Dom José Cornelis, Vigário Episcopal de Alagoinhas. Ele me escreveu pedindo que eu interferisse no caso e procurasse resolvê-lo. Atendendo o apelo, parti para Praia do Forte e procurei conhecer a situação.

Não encontrando apoio por parte dos moradores, eu me vali de uma antiga associação de pescadores do local que já estava falida. Criamos nova diretoria; reformamos os estatutos e pedimos que o presidente registrasse em cartório em Mata de São João e conseguisse o atestado de utilidade pública. Daí cessaram as hostilidades. Em boa hora, chegou o Projeto TAMAR (Programa Brasileiro de Conservação das Tartarugas Marinhas) que veio melhorar a situação.

Aproveitando minha condição de diácono, comecei a dar vida à comunidade religiosa, promovendo reuniões e restaurando o apostolado da Oração. Assim, a comunidade começou a se organizar.

***

Como a função do Diácono é estar a serviço da comunidade, como um servidor, devido a seu ministério próprio, procurei por isso em prática dentro de minhas limitações humanas.

Essas e outras atividades humanitárias, sociais e religiosas procurei desenvolver na Paróquia de Mata de São João. Porém não pude dar continuidade aos trabalhos ali porque vim morar em Salvador, procurando melhor acesso de meus filhos à educação.

ATIVIDADES NA PARÓQUIA DE ITAPOAN SALVADOR

Para facilitar a educação dos meus filhos, transferi-me de Mata de São João para Salvador. Inicialmente, fui morar no Bairro de São Caetano. Depois, comprei uma casa no Tororó, à Rua do Amparo, 127 (Salvador). Fiquei morando lá até que a Associação dos Ex-combatentes do Brasil doou-me um lote para construção de residência familiar na Vila Presidente Médici em Itapoan (Lote 6, Quadra J). O nome da Vila foi mudado posteriormente para Vila dos Ex-Combatentes. Construí meu imóvel residencial onde moro até hoje.

Durante o tempo em que residi em São Caetano e Tororó, exerci a presidência da Comissão Arquidiocesana de Diáconos por vários períodos. Na época, Dom Avelar Brandão Vilela era o Arcebispo. Durante esse tempo eu não exercia o ministério diaconal na sede da Arquidiocese, mas na Paróquia de Mata de São João, dando assistência religiosa na comunidade de Praia do Forte.

Vindo morar em Itapoan (Salvador), apresentei-me ao pároco, Pe. Domingos França Dourado. O Cardeal Dom Lucas Moreira Neves deu-me provisão para aquela paróquia, na qual exerci meu ministério diaconal por 20 anos. Tendo o Pe. Domingos sofrido um derrame cerebral que lhe deixou sequelas que impediam realizar os atos religiosos e dirigir a Paróquia, o Cardeal nomeou-me verbalmente administrador do movimento paroquial de Itapoan. Procurei exercer essa função da melhor forma possível.

Devido a uma alteração no meu estado de saúde, pedi a Dom Antônio, bispo auxiliar, que me dispensasse do meu serviço na Paróquia, Ele me pediu que apresentasse um atestado médico juntamente com o pedido de afastamento. Entreguei o atestado e o pedido, por escrito, ao Bispo Auxiliar durante uma reunião do clero onde ele estava

representando o Cardeal. Aceito o meu pedido, fui dispensado dos encargos na Paróquia. Assim, fiquei livre da responsabilidade e das preocupações.

Logo que me afastei, foram enviados dois padres para a Paróquia. Um como pároco e outro como vigário paroquial.

PRESIDENTE DA COMISSÃO ARQUIDIOCESANA

DE DIÁCONOS

Depois da minha ordenação diaconal e de Benigno Lopes Rios, a escola Diaconal continuou preparando novos candidatos a diácono. Foi necessário formar uma Comissão Arquidiocesana de Diáconos para melhor organização e arregimentação de todos. Cabia ao presidente da Comissão o preparo para a ordenação, inclusive realizar pesquisas secretas junto às pessoas que conheciam o candidato. Fui eleito presidente dessa Comissão. Havia sempre um bispo ou padre coordenando a Comissão. Entre eles, lembramos o Pe. Érico de Praeter (foi o primeiro), Dom Ângelo Salvatori, Pe. Aderbal e outros. Como presidente, eu estava sempre em contato com os colegas, visitando ou telefonando.

Criei uma comissão de visitadores para assistir as famílias dos colegas diáconos e viúvas; consegui uma sala no Palácio da Sé para receber os diáconos; organizamos uma pequena biblioteca e compramos máquina de escrever. Todo mês havia reunião do grupo em diversos locais; organizávamos momentos de confraternização e um retiro anual. Com isso, foi formada uma grande fraternidade diaconal.

MINISTÉRIO DIACONAL EM BARROCAS

Como consta em meu livro “BARROCAS, uma filha da estrada de ferro”, eu nunca deixei de estar presente em Barrocas por ser minha terra natal. As minhas agendas estão cheias de anotações de idas e vindas para lá. Livre de minhas obrigações diaconais na Paróquia de Itapoan (Salvador), eu sempre estava presente na minha terra prestando serviços religiosos na capela de São João Batista.

Depois de aposentado, procurei os padres de Serrinha e fiz a eles a proposta de trabalhar na paróquia principalmente na capela de Barrocas. Minha proposta não foi aceita de imediato. Porém, encontrando-me com o bispo diocesano de Feira de Santana, Dom Itamar Vian, pedi a ele, por escrito a provisão para exercer meu direito de ordem na capela de Barrocas, mesmo sendo incardinado na Arquidiocese de Salvador. O senhor bispo prontamente atendeu meu pedido e eu passei a exercer meu ministério naquela capela.

Quando foi criada a Paróquia de Barrocas, foi para lá o padre espanhol como administrador paroquial. Esse padre incumbiu-me de cuidar dos terrenos da paróquia, organizar o Livro de Tombo; fazer exéquias e sepultamentos.

Como um dos meios de evangelização, criei no serviço de altofalante local um programa religioso intitulado Hora Católica. Começava às 17h45 e terminava às 18h com a oração do Ângelus. Posteriormente, criei outro programa iniciando às 11h. Era um programa de variedades que se intitulou “Contando e comentando”. Terminado aquele programa, continuei dando a minha contribuição pastoral nas comunidades e capelas. Colaborei com Pastoral da Criança; distribui material catequético como livros e outros subsídios; ajudei na construção das capelas do Alto Alegre, da Santa Rosa, São José Operário e Nossa Senhora Aparecida; fiz o altar da capela do Alagadiço; ajudei na colocação do piso das capelas de Lagoa Redonda e Boa União.

Com a criação da Diocese de Serrinha, eu não pedi para exercer o ministério em Barrocas, devido à minha condição de saúde.

ESCREVENDO A ORIGEM DE BARROCAS

Em 1952, chegou às minhas mãos uma cópia da escritura de doação de um terreno à Igreja para construção de uma nova capela em Barrocas. A doação foi feita pelo casal Pedro Teles de Oliveira e Alberta (Felisberta) Maria de Jesus. Para justificar a legítima posse do terreno, o casal declarou que o dito terreno tinha sido herdado de José Alves Campos.

Querendo saber quem era José Alves Campos e comprovar se ele seria o mesmo José da Fazenda Espera, eu me mobilizei para conseguir a certidão de casamento de José Alves Campos e Alberta (Felisberta). A Cúria Diocesana de Feira de Santana forneceu-me a certidão de casamento dos dois.

Diante desse fato, decidi tornar pública a história de Barrocas. Demonstrei, através de documentos, que Barrocas nasceu com a passagem da estrada de ferro pela região e que ao trem ela deve sua origem e seu desenvolvimento; narrei como surgiu o seu povoamento, as primeiras famílias; como surgiu o comércio. Citei nomes dos primeiros comerciantes; fiz uma retrospectiva de sua vida política desde a sua condição de distrito de Serrinha até a sua emancipação; relatei a história da educação e da vida religiosa na cidade; enumerei algumas realizações dos prefeitos do Município; apresentei a árvore genealógica das famílias Queiroz e Teles e, em Anexos, no final do livro, apresentei cópias dos documentos originais consultados.

Os documentos que eu consultei datam de 1882 a 1930. Daí para cá fui testemunha ocular do desenrolar dos fatos relativos à história da cidade.

Para realizar o meu trabalho, recorri às lembranças de minha meninice e juventude; pesquisei em cartórios, em livros de batizados, casamentos e óbitos de paróquias e da Diocese, resgatando escrituras e certidões para documentar o trabalho. Contei com a colaboração de outro barroquense Tiago de Assis Batista, sobrinho de Pedro Esmeraldo Pimentel, terceiro comerciante de Barrocas. Ele, apesar de ter saído muito jovem ainda de sua terra natal, guarda muitas recordações, relembrando fatos e pessoas .

“BARROCAS, uma filha da estrada de ferro” foi o título mais adequado que achamos para esta obra. Seu lançamento foi em Barrocas no dia 26 de agosto de 2007. O evento coincidiu com a inauguração do Centro Cultual de Barrocas, tendo como sede a

antiga estação da Rede Ferroviária Federal Leste Brasileiro, comprada pela Prefeitura Municipal para este fim.

Estavam presentes, além das autoridades e lideranças locais, barroquenses vindos de outras cidades e estados, convidados e representantes das famílias de João Afonso e de Pedro Pimentel, primeiro e terceiro comerciantes de Barrocas respectivamente.

A minha intenção era escrever uma história mais completa, mais detalhada, contando a história das fazendas mais antigas e de seus donos; relatar fatos importantes, notáveis e curiosos de minha terra. Mas de início, não encontrei o apoio que esperava. Mesmo assim, consegui produzir o meu livro BARROCAS, uma Filha da Estrada de Ferro. Pode não ter valor literário ou um valor histórico no sentido estrito da palavra, mas poderá servir como fonte de conhecimento da origem da cidade para as novas gerações e de inspiração para alguém que queira produzir uma obra mais completa sobre sua história.

QUARENTA E DOIS ANOS DE ORDENAÇÃO DIACONAL

Em 22 de agosto de 2010, comemorei 40 anos de Ordenação Diaconal. Fui das primeiras turmas ordenadas depois da restauração do Diaconato Permanente pelo concílio Vaticano II. Eu e mais três companheiros fomos ordenados pelo papa Paulo VI em sua visita a Bogotá (Colômbia) no dia 22 de agosto de 1968. Tornamo-nos Diáconos Permanentes da Igreja Católica Apostólica Romana. Homens casados incumbidos também de exercer um ministério eclesiástico ordenado.

O Diaconato permanente, instituído na Igreja desde os primeiros tempos (Conferir Atos dos Apóstolos 6, 1-6), foi de grande importância para o crescimento da Igreja até o século V. Daí para cá foi entrando em declínio até ficar praticamente extinto.

Foi restaurado pelo Concílio Vaticano II, sendo aprovado e entrando em vigor no dia 15 de novembro de 1965;

A missão do Diácono Permanente (Diácono Casado) é “evangelizar e multiplicar ações cristãs dentro e fora da comunidade”.

Consciente desta missão, procurei exercê-las com fidelidade a Deus e à Igreja, mesmo sabendo da fragilidade humana da qual não fui isento. Mesmo com as limitações da

idade e da saúde, ainda me sinto em condições de exercer algumas atividades pastorais. Pena que não me dão oportunidade.

Durante 42 anos venho me esforçando para dar o melhor de mim no desempenho de minha missão, contando sempre com a graça de Deus, a proteção de sua Mãe Maria Santíssima e a boa vontade dos senhores párocos.

Faço ainda o que a graça divina permite e o que é possível à fragilidade humana. Os frutos de minhas atividades só a Deus é permitido conhecer.

ASSOCIAÇÕES DOS EX-COMBATENTES NA BAHIA

Entre os ex-combatentes na Bahia há duas associações e uma sociedade: Associação Nacional dos Veteranos da FEB (Força Expedicionária Brasileira); Associação dos Ex-Combatentes do Brasil e a Sociedade Beneficente e Recreativa da Família Ex-Combatentes.

Associação Nacional dos Veteranos da FEB - Só pode fazer parte dessa Associação quem realmente esteve no campo de Batalha: os componentes das divisões do Exército e de um grupo de caças da Aeronáutica.

Associação dos Ex-Combatentes do Brasil - Esta associação foi criada só com os verdadeiros ex-combatentes. Mas, por força de um decreto do Congresso Nacional, passou a fazer parte como ex-combatente o pessoal da Marinha, principalmente aqueles que navegavam em águas perigosas ou náufragos de torpedeamento de navios brasileiros.

Com isso o número dos 25.334 soldados que foram para Itália subiu para mais de 200 mil. Por isso, criaram-se as duas associações e a sociedade. Entrei como sócio dessa associação no dia 14 de dezembro de 1961. Não ingressei antes porque morava no interior.

A Sociedade Beneficente e Recreativa da Família Ex-Combatentes foi criada por iniciativa de um grupo de ex-combatentes e suas famílias para continuar a sua história sem limite de tempo. Isso porque as duas associações só existirão até quando o número efetivo de associados for mais de 20 membros. Com menos de 20 associados a entidade deixa de existir, conforme os seus Estatutos.

Eu fazia parte, como sócio, somente da Associação dos Ex-combatentes que tem sua sede própria na Rua Silva Jardim em Salvador. Em uma eleição da diretoria, eu fui eleito segundo tesoureiro, sendo presidente o senhor Aurélio de Barros que era da Marinha. Como ele não gostava da Associação dos Veteranos, disse-me certa vez que, se eu me juntasse aos Veteranos, eu iria me perder. Com isso, procurei a Associação dos Veteranos que se reunia na sede da Congregação Mariana no Cine Excelsior. Assisti a primeira reunião e me filiei a ela. Participando das reuniões, eu não concordava como elas eram realizadas e criticava porque o presidente não levava ao conhecimento dos associados a situação financeira da mesma.

Com isso, um dos membros lançou-me um desafio dizendo que na próxima eleição iria me laçar como candidato para ver se eu realizaria, como presidente, aquilo que eu criticava. Lancei minha candidatura a presidente contra a vontade de alguns colegas, inclusive do secretário em exercício.

Houve a eleição e eu fui eleito para um período de dois anos. Como era meu dever, procurei conhecer a situação financeira da entidade. Encontrei no Banco do Estado da Bahia (BANEB) uma pequena quantia em uma conta sem ser movimentada. Fui com o tesoureiro ao banco e convertemos em caderneta de poupança. Depois disso, todo dinheiro que entrava ou sobrava das despesas era depositado na caderneta tendo em vista a construção da sede própria da Associação.

Consegui com a capitã Jandira uma parte do porão de sua casa; dividi com madeirit e abri um portão ao lado da casa para o acesso do pessoal; fui a uma escola em Lauro de Freitas e à Escola Mascarenhas de Moraes, onde consegui móveis fora de uso e quebrados; consertei-os e levei para a sede improvisada; adquiri outros móveis que estavam sendo alienados no Hospital do Exército.

Um dia, informei na reunião que eu, o vive-presidente, Renato Tomaz, e a Capitã Jandira tínhamos doado, cada um, 1.000 blocos para a construção. Colocamos esse material debaixo de uma laje que estava em construção e tratei de providenciar o terreno.

Consegui, através de um contrato de comodato, um terreno pertencente à Sociedade da Família Ex-Combatentes. A construção ficou sob a minha responsabilidade e apoiada nas ofertas dos colegas.

Quando eu saí da presidência da Associação e a sede já sendo utilizada.

O SALÃO COMUNITÁRIO DA FAMÍLIA EX-COMBATENTES

Na Vila dos Ex-combatentes, foi criado um movimento religioso tendo-se formado um grupo. Daí, surgiu a necessidade de um local para reuniões, lazer e celebrações religiosas. Como eu tinha feito amizade com o Dr. Belazi (de saudosa memória), diretor do Parque de Exposições de Animais, pedi a ele uma faixa de um terreno pertencente ao Parque que estava sendo invadida, para construir um salão comunitário. Ele acolheu o meu pedido prometendo enviá-lo ao Secretário de Agricultura ao qual ele era subordinado.

Naquela ocasião, era presidente da Associação dos Ex-Combatentes o Aurélio de Barros. Era ele quem administrava a gleba de terra da Associação, que tinha sido doada pelo então prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães. Ele era responsável por tudo, tendo o direito inclusive de assinar documentos como escrituras e outros.

De início, a Vila chamava-se Vila Presidente Médici, depois mudaram o nome para Vila dos ex-combatentes.

Na administração do capitão João Alves, o tesoureiro da associação era o veterano Renato Mesquita, cuja esposa era membro da Igreja Batista. Ela, juntamente com o pastor, foram fazer o pedido de uma área de terreno para construir um templo da sua Igreja. Nessa época, eu estava construindo a casa onde moramos hoje. Chegando para ver a construção, notei a aglomeração e juntei-me a ela. Fizeram o pedido da área para a construção do templo e o João Alves disse que deveria ser construído um salão ecumênico.

O pastor não aceitou a idéia. Então, eu interferi na conversa e disse que quem tinha o direito de construir igreja seriam os católicos pois eram maioria e que, segundo as normas militares, só tinha direito a capelão aquela entidade que tivesse mais de 10% dos filiados.

Conversando comigo, o Dr. Belazi informou-me sobre o que estava acontecendo. Eu descobri uma rua que dava acesso ao fundo do terreno. Fiz um croqui e entreguei a ele. Ele examinou e disse que o terreno teria que ser dividido no sentido Norte-Sul, ficando a parte mais baixa para os batistas.

Como aquela parte do terreno era úmida, eles não gostaram e foram-se queixar com um membro influente da Igreja Batista, dizendo-lhe que queríamos colocá-los na lama. Criou-se um impasse que deveria ser resolvido pelo Secretário da Agricultura. Foi,

então, marcada uma reunião na Secretaria da Agricultura com a presença do Dr. Belazi.

O Dr. Baleeiro interferiu dizendo: “Como vocês não querem se unir, o terreno será dividido no sentido Leste-Oeste, ficando cada um com uma faixa de 25 metros por 100. Cada um vai perder cinco metros de um lado para construir uma rua no meio”.

Como a Sociedade Beneficente e Recreativa da Família Ex-Combatentes não tinha foro jurídico, o terreno seria doado à Associação dos Ex-Combatentes com o fim específico para o qual estava sendo solicitado.

Partimos para o local do terreno doado e, enquanto se conversava, chegou o presidente da Associação, senhor Aurélio de Barros, quem deveria ter feito o pedido de doação.

Tudo acertado, Dr. Belazi disse: “Ao invés de vocês perderem os cinco metros de terreno, seria melhor construírem um muro separando as áreas”. Os batistas adiantaram-se e construíram um muro que beneficiou também o nosso lado. Imediatamente foi iniciado o processo de doação. Os protestantes trouxeram uns americanos que construíram provisoriamente um templo até que foi construído o definitivo, edificando também a casa do pastor ao fundo.

Nós católicos construímos um salão que servia para reuniões e celebrações religiosas. Depois construímos outro salão que ficou servindo de capela, cuja padroeira é Nossa Senhora Aparecida.

Nessa ocasião, fui eleito presidente da Sociedade da Família Ex-combatentes. A Diretora da Escola Mascarenhas de Moraes matriculou muitas crianças e faltaram salas. Ela pediu o salão comunitário para ser usado como sala de aula. Providenciei uma divisória com madeirit obtendo dois cômodos que funcionaram como salas de aula. Findo o prazo do contrato, o salão foi devolvido. Hoje a Sociedade tem a parte de baixo do imóvel como salão de reuniões e a parte de cima como capela.

Para edificar a sede da associação dos Veteranos, foi necessário assinar um contrato de comodato com a Sociedade Beneficente e Recreativa da Família Ex-Combatentes, onde se dizia que a Associação, vindo a deixar de existir, todo o patrimônio ficaria para a Sociedade da Família Ex-Combatentes.

BUSTO EM HOMENAGEM AMASCARENHAS DE MORAES

Uma enfermeira da FEB, querendo manter viva a memória do Marechal Mascarenhas de Moraes, saiu pelo Brasil fazendo a campanha do busto do Marechal. Chegando a Salvador, entregou o busto à Associação dos Ex-Combatentes, composta em sua maioria por representantes da marinha. A Associação não tendo interesse em ficar com o busto, entregou à Prefeitura Municipal de Salvador, sem tomar mais nenhum conhecimento.

Por uma casualidade, ouvi dizer que o tal busto estava no depósito da prefeitura, no Largo dos Dois Leões. Fui, então, à 6ª Região; procurei o Capitão Caminhas e contei a história. Na minha presença, ele telefonou para o depósito da Prefeitura e foi informado de que realmente lá havia um busto, mas não se sabia de quem era. O capitão disse-me: “Vou até lá e se for do Marechal, eu trago para cá”. Ele realmente foi e constatou que o busto era o procurado.

Aproximava-se a data do centenário de nascimento do Marechal. Para homenageá-lo, decidimos que o busto deveria ser colocado na escola que leva o seu nome, na Vila dos Ex-Combatentes, em Itapoan. Eu entrei em entendimento com o Governador do Estado, João Durval Carneiro, através do então Secretário de Educação, Heraldo Tinoco e obtivemos o apoio e a autorização para colocar o referido busto naquela escola.

Obedecendo às normas da engenharia, o busto foi colocado ao lado da escola, com a frente virada para a avenida principal. Houve a inauguração festiva com a presença de autoridades civis e militares.

Com o passar do tempo, alguém, sem conhecimento da FEB, mudou o busto para a parte interior e na entrada da escola. Desse modo, os febianos não tiveram mais acesso ao monumento.

A MINHA SAÚDE

Fui sempre uma pessoa sadia. Porém a doença me visitou algumas vezes, como visita a qualquer ser humano. A primeira foi o mal de sete dias, e aos três anos de idade, umas feridas que me apareceram por todo o corpo, conforme relatei no início desta autobiografia. Depois tive aquelas doenças comuns na minha época de infância: catapora, papeira (caxumba) e sarampo. Tive sarampo quando eu tinha de oito para dez anos. Lembro-me que, durante essa doença, eu tinha pesadelos horríveis; sentia como que um rolo compressor passasse por cima de mim.

Não tive varíola, apesar de ter trabalhado seis meses como chamador, transportando no carro de boi cereais das fazendas Alagadiço, Amorosa e Canta-Galo para Barrocas, durante uma epidemia de varíola na região. Muitas vezes, chegando às casas para pegar os sacos de cereais, havia doentes deitados sobre eles. Mesmo assim, a varíola não me pegou. Só muito depois, fui vacinado contra a doença.

Dores no peito

Passei um bom período sem ter enfermidade alguma. Só em 1982, já morando em Salvador, comecei a sentir umas dores no peito. Procurei uma cardiologista no Hospital Santa Isabel e ela me pediu um teste de esforço. Ao levar-lhe o resultado, ela solicitou um cateterismo. O resultado acusou fluxo de sangue normal e hipertrofia na parede do ventrículo esquerdo.

Depois disso, tive uma arritmia à noite e procurei a Clinica Diagnose. Como não tinham condições de atendimento, enviaram-me para a Cardiopulmonar na Avenida Garibaldi. Lá, o médico me examinou, mandou que me aplicassem uma injeção na veia e que eu ficasse em repouso, dizendo que se não melhorasse, eu teria que conviver com a doença. Como a situação tinha melhorado, o médico passou-me Digoxina para pressão e deu-me alta.

Depois, voltei para Barrocas. Lá, diversas vezes fui acometido pela arritmia e tomava chá de alecrim de jardim, ficando em repouso até melhorar.

Vim a Salvador e comecei a frequentar a Clínica Previna em Itapoan, sendo atendido pelo doutor Wladimir. Além da Digoxina, ele me prescreveu Ancoron. Depois disso, fui acometido de gastrite, mas tomando remédio, melhorei.

Devendo usar bengala

Apareceu-me um problema nas pernas. Tirei uma radiografia de ambas e foi descoberto que eu estava com a cabeça do fêmur esquerdo deformada. Procurei um médico conceituado e ele pediu uns exames. Diante do resultado, ele queria fazer uma cirurgia e colocar uma prótese; mas eu não aceitei porque não tinha garantia de sucesso e eu poderia ficar numa cadeira de rodas. Ele disse que, nesse caso, eu teria que usar uma bengala canadense pelo resto da vida. Concordei e até hoje estou usando-a.

Tratamento com uma falsa médica naturalista

Continuando com o problema do estômago, fui aconselhado por uma cunhada a procurar uma senhora que se passava como médica naturalista no bairro de Stella Maris. Iniciei o tratamento, mas sempre desconfiando, porque a orientação era passar barro por todo o corpo. Até que certo dia, ela me deu umas folhas para serem cozidas e eu tomar banho de assento com a água do cozimento. Fiz do jeito que ela havia mandado. Porém, logo que me sentei na bacia, notei o corpo todo vermelho por onde a água tinha molhado e ardia como brotoeja. Depois, fiquei com o intestino e a bexiga presos.

Como, em tempos atrás, eu tinha lido um artigo de jornal de um médico naturalista, Dr. Augusto César Barreto, telefonei para ele e contei a história do banho. O médico examinou-me pela íris e disse que eu só tinha funcionando mal um canal secretor. Passou-me outros medicamentos fitoterápicos e uma dieta alimentar, recomendando que eu não comesse carne nem ovos nem leite; comesse somente frutas e, mesmo assim, com restrições. Para proteína, mandou que eu comesse amendoim, castanhas de caju e do Pará, nozes e feijão de corda verde. Com esse regime alimentar, a proteína do organismo baixou muito.

Usar bolsa? – Jamais.

Certa ocasião, procurei uma gastrenterologista no Hospital São Rafael. Ela me perguntou o porquê da consulta e o que sentia. Disse-lhe que quando ia ao sanitário,

notava manchas de sangue no papel higiênico e suspeitava que fosse das hemorróidas que eu sofria havia tempo. Para tirar a prova, ela pediu uma retosignoendoscopia. Foi constatado que havia pólipos no reto. Tirou material para biópsia, mas, feito o exame, não apresentou nada de maligno. Porém, ela insistiu para eu fazer operação, pois, mesmo não sendo maligno, poderia se tornar.

Perguntei como seria essa operação. Ela disse que cortaria o reto e emendaria como se emenda um tubo. Mas, no meu caso, por estar o pólipo muito perto do ânus, a saída natural do intestino teria que ser fechada e colocada uma bolsa. Não aceitei ser operado. Ela mandou que eu voltasse de dois em dois anos. Voltei uma vez e mais nunca. Com isso, sofri depois as consequências.

Operado do estômago

Seis anos depois, eu residindo mais em Barrocas do que em Salvador, num dia de festa em janeiro, comecei a sentir dores fortes no estômago. Chamei meu filho Jaques e pedi para me levar a Salvador. De lá, telefonei para a outra filha, Leônia, pedindo que marcasse uma consulta com um gastrenterologista. Na segunda-feira seguinte, fui ao médico na Pituba. Foi feita uma endoscopia sem imagem e tirado material para biópsia sem sedativo. Ao tirar o material, notei que o médico estava nervoso. Perguntei se havia alguma coisa de ruim, ele respondeu que os aparelhos iriam dizer. Como eu sentia muitas dores, mandou que eu tomasse Leite de Magnésio.

Chegando a casa, mandei levar o resultado do exame ao doutor Augusto César Barreto. Ele disse que deveria fazer uma endoscopia com imagem. Fui ao Hospital Português e fiz a endoscopia como tinha sido pedido. Terminado o exame, o médico disse-me que meu caso não tinha remédio que desse jeito, só uma cirurgia. Chamou minha filha e disse o que estava acontecendo. Recebi o material para biópsia e levei ao Hospital Santo Amaro, no antigo IBIT.

O doutor Barreto mandou-me procurar doutor Jorge Rescala no Centro Médico do Vale. Procurei-o e entreguei-lhe o resultado da endoscopia. Ele abriu-a sobre sua mesa, em minha frente e disse: “Aqui tem que ser feita uma cirurgia e está fácil de fazer porque está tudo junto. Porém, o senhor tem que tomar um caminho: fazer a cirurgia, que é perigosa por causa de sua idade, ou então, ir para casa e esperar a morte chegar”. Respondi: “Entre morrer agora ou morrer depois, prefiro morrer agora”.

Diante dessa resposta, foram pedidos os exames necessários para a cirurgia; marcada a data do internamento, a operação ficou para o dia 19 de fevereiro de 1999.

Entrei na sala de operação do Hospital Santo Amaro às 17h e saí às 21, indo direto para a UTI, onde passei dois dias. Fui levado para o apartamento do hospital e, depois de quatro dias, o médico examinou tudo e disse que me daria alta porque tudo estava cicatrizado. Recebi alta com a recomendação de que, se tivesse algo diferente, avisasse.

Depois de três ou quatro dias, minha barriga começou a crescer. O médico foi avisado e mandou-me para o Hospital Espanhol. Lá chegando, só vi a chegada e mais nada. A equipe de cirurgia foi chamada e mandaram abrir novamente minha barriga - sem consultarem meus familiares - e encontraram uma infecção generalizada. Lavaram tudo por dentro; fecharam e deixaram um dreno. Passei 15 dias na UTI entre a vida e a morte; tinha pesadelos de todo tipo.

. Fui levado da UTI para o apartamento onde fiquei fazendo todas as necessidades fisiológicas em fraldas descartáveis. Minha alimentação era injetada nas imediações da clavícula. Já estava com a mão roxa de tanto receber soro.

Meus filhos revezavam-se cada noite no hospital. Muitas vezes, para fazer curativo, minha filha Leônia colocava uma toalha sobre a cama, apertava minha barriga e saía uma grande quantidade de pus que sujava toda a toalha.

Fui acometido de um derrame na pleura. O médico pneumologista, Dr. Almério Filho, sentou-se na cama e tirou cinco litros de água com uma seringa; levou-me para a sala de operação e colocou um dreno com uma mangueira que ia do pulmão até uma vasilha que ficava debaixo da cama. Eu disse ao pneumologista que não fizesse mais nada, que me deixasse morrer. Ele, para me encorajar, disse: "Seu João, o senhor não é paciente terminal; vai viver muito ainda”.

Passei três meses no hospital. De tanto ficar deitado, meu pé direito ficou caído, sem responder aos estímulos.

Quando já estava melhor, fui ao consultório do doutor Almério para continuar o tratamento do pulmão. Ele me disse que eu estava bom. Eu tinha ido numa cadeira de rodas. Então perguntei: “Doutor, estou bom numa cadeira de rodas”? Ele disse: “Quem viu o senhor como eu vi, o senhor saiu da cova”.

Quando tive alta, fiquei sendo acompanhado pela médica oncologista, doutora Márcia Amaral. Periodicamente eu fazia endoscopia para acompanhar a evolução do

estado de saúde. No sexto ano de operado, ela me deu alta. Este foi o meu primeiro câncer.

Operado da vesícula

Tudo ia caminhando bem, em agosto de 2003, estando em Barrocas, senti uma dor forte à altura do fígado. Pedi a meu filho Jaques que me trouxesse a Salvador. Fui levado ao Hospital São Rafael e, depois dos exames, constataram um problema na vesícula que teria de ser retirada. Fiquei internado dois dias. Levaram-me à mesa de operação e o anestesista ficou conversando comigo e perguntou se eu era médico no interior, pois tudo o que ele perguntava eu respondia. Esclareci que já estava acostumado com médico e hospital.

Tentaram fazer a operação a laser, mas não conseguiram; abriram no mesmo local onde tinha sido aberto para a operação do câncer. A vesícula estava pegada na antiga cicatriz. Na costura da operação, deixaram um ponto malfeito. Em poucos dias, comecei a sentir dores perto do umbigo, surgindo nesse local uma bruta hérnia. Como eu já tinha uma hérnia ignal, o doutor Rescala operou as duas em cinco de abril de 2006, no Hospital Santo Amaro, sendo necessário colocar uma tela na barriga.

Outras operações

Em 1963, quando ainda morava em Mata de São João, fui ao Jorro de Tucano tomar uns banhos termais. O balneário ainda não existia, não havia nada organizado; a água que jorrava caía sobre uma pedra e ali as pessoas se banhavam. Naqueles dias, a hemorroida saiu e não recolheu; com os banhos piorava. Interrompi minha estadia no Jorro, peguei um caminhão e voltei a Barrocas. De lá, fui de trem para Mata de São João. Chegando, fui ao médico e ele me passou um remédio escuro em gotas e uma pomada - Extrato de Castanha da Índia - para passar no local.

Anteriormente, não me lembro da data, tive que fazer uma operação de amígdalas e fui sozinho ao Hospital Português e fiquei internado de um dia para outro. Dois enfermeiros me deram aquela “roupa de pagão” para eu vestir; aplicaram-me uma injeção e colocaram-me em uma maca. Chegando à sala de operação, mandaram que eu passasse para a mesa. Ainda pensei em desistir da operação, mas eu já tinha tomado a anestesia.

Como eu não tinha acompanhante, fiquei sozinho no apartamento e amarrado na cama. Quando acordei, estava com a salmoura escorrendo pela boca e vi que a minha cunhada Belinha estava lá. Ela me disse: “Compadre, soubemos que o senhor estava aqui, viemos visitá-lo e passamos a noite com o senhor”. Ela estava com o namorado Leonel.

Bico-de-papagaio

Há muito tempo atrás, quando eu era assistido pelo serviço Médico do Exército, era sempre acometido de dores de cabeça, precisando muitas vezes ser levado à emergência do hospital. Fiz três radiografias da coluna cervical que acusaram um bico-de-papagaio causado pelo espaçamento entre duas vértebras desgastadas. Levei o resultado ao médico que, gracejando, disse: “Isso não é mais um bico-de-papagaio, mas de tucano”!

Vencendo outro câncer

Com os medicamentos a hemoroida regrediu, mas ficaram me perseguindo, voltando de vez em quando.

Como eu já vinha sentindo algo diferente, dispus-me a fazer um check up. Antes de fazê-lo, notei que, quando ia ao sanitário, botava sangue vivo pelo ânus. Procurei a doutora Márcia Fucs e ela descobriu, após fazer um teste, que eu estava com câncer . Essa médica telefonou para doutora Márcia Amaral informando-lhe da gravidade do caso e dizendo que eu não suportaria uma operação; que seria mais interessante que eu fosse encaminhado para radioterapia. Era o mês de setembro de 2007.

Procurei o Hospital São Rafael e a médica que me atendeu na radioterapia, ao fazer o exame inicial, disse logo que eu teria que fazer cirurgia e usar uma bolsa para coletar os dejetos. Respondi que preferiria morrer a colocar uma bolsa. Ela disse: “Vamos fazer a radioterapia, enquanto o senhor pensa melhor”. Repeti que não faria a cirurgia.

Foram feitas 33 aplicações de radioterapia e, ao mesmo tempo, eu fazia a quimioterapia através da ingestão de Xeloda de 500 ml.

Quando eu estava fazendo a radioterapia, a médica responsável pelas aplicações insistia dizendo que, para eu ficar curado, teria que operar o reto, costurando a saída

natural e colocando uma bolsa. Mantive minha posição: “Prefiro morrer a fazer cirurgia”.

No primeiro exame de avaliação do processo de cura do câncer, através de uma retosignoendoscopia, foi detectada a ausência dos tumores, existindo apenas uma área cicatricial. A doutora Márcia Fucs que fez este exame ficou admirada com o resultado, dizendo que eu tinha reagido bem ao tratamento, não precisando mais fazer a operação. Continuei tomando o Xeloda até o fim do período indicado pela médica.

A última revisão foi feita no Hospital Português e o resultado foi igual aos primeiros. Por descargo de consciência, o médico pediu uma biópsia e o resultado foi negativo. Venci mais esse câncer. A Deus sejam dadas infinitas graças.

Evitando uma trombose

Pouco tempo depois, fui acometido de uma fibrilação atrial juntamente com uma dor de cabeça; sendo levado ao Hospital São Rafael, foram feitos os exames necessários e entregues ao cardiologista doutor Wladimir. Ele agora está querendo evitar que eu tenha uma trombose ou derrame cerebral. Para isso, mandou que eu tomasse por toda vida um medicamento de nome Pravix a fim de fluidificar o sangue, evitando uma trombose ou um coágulo. Continuo com a dor de cabeça e o medicamento para o sangue fez com que qualquer arranhão na pele começasse a sangrar. Para o cérebro, estou tomando Tebonin de 120 mg à base de Gincobiloba.

Agora, estou sendo acompanhado por uma geriatra. Enquanto isso, vou levando minha vida, agradecido a Deus e a todos que me cercam, na esperança de ultrapassar os 105 anos vividos pelo meu avô.